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ENTREVISTAS

05/2022

Juliana Camila Carvalho
Juliana Camila Carvalho

A entrevistada deste mês
é da Juliana Camila, 40 anos
que nasceu e mora em Brasília.
Aqui ela relata como descobriram sua surdez e anos mais tarde
a retinose pigmentar
e consequentemente
a Síndrome de Usher.
Confira!

1) Juliana conte para nós como descobriram sua surdez.

Minha mãe descobriu minha surdez após a meningite, porque quando era bebê ficava procurando algum sinal, algum som...

 

2) Então depois que você teve a meningite você teve acompanhamento com otorrinos?

Eu fui adotada quando eu tinha 3 meses de idade e quando eu tinha por volta de 9 meses que foi na década de 80, teve um surto da meningite aqui em Brasília e eu fui uma das que pegou a doença... Fiquei internada no Hospital Materno Infantil – HMIB. Fiquei muito mal, tive 3 convulsões, foi grave mesmo. Depois que me curei da meningite, eu ficava procurando alguma coisa, algum sinal, algum som... Quando eu comecei a andar, eu comecei a esbarrar nas coisas, era desajeitada e foi aí que a minha mãe me levou para o médico e ele pediu para consultar com otorrino. Já o otorrino me encaminhou para o CEAL (Centro Audiológico Ludovico Pavoni), aqui em Brasília. Lá os médicos sempre falavam para minha mãe, que a causa da minha surdez era devido a meningite. Foi aí então que comecei a usar aparelho auditivo e uso até hoje.

 

3) E como foi a sua adaptação na escola?

Na época era comum as escolas especiais para alunos com deficiências, mas eu sempre estudei numa escola normal... Eu estudei no SESI, onde a minha mãe trabalhava e, portanto, tive acompanhamento pedagógico e à tarde eu tinha consultas com fonoaudiólogas, porque além de ser surda, eu também tenho Transtorno do Déficit de Atenção (TDAH), sou hiperativa.

 

4) Você não teve dificuldades em acompanhar as aulas por causa da surdez e TDHA simultaneamente?

Então, nas consultas com fonoaudiólogas eu fazia todos os exercícios novamente, tudo o que eu aprendia na aula de manhã, eu refazia no período da tarde. Eu consegui acompanhar as aulas, graças a estes exercícios. Eu sempre sentava na frente, fui assídua na leitura e tirava boas notas e quando eu tinha dificuldade em alguma matéria, por exemplo, eu perguntava para os professores.  

Aí quando eu cheguei na quinta série até o terceiro ano do colégio, eu já comecei a “andar com minhas próprias pernas”, fui me adaptando às aulas. Dificuldades eu tive mesmo, foi com 2 professores do primeiro ano colegial, porque esses professores não eram dinâmicos... Para quem tem déficit de atenção como eu, as aulas não podem ser paradas, repetitivas.... E eu sou muito acelerada, tem que ter uma  certa interatividade... Tive que batalhar muito neste período, mas acabei superando.

 

5) E quando você começou ter problemas visuais?

Desde bebê eu já esbarrava nas coisas, mas só mais tarde que comecei a ter dificuldades em enxergar em locais escuros e também evitava muita claridade... Mas desde pequena, eu uso óculos por causa da miopia e astigmatismo. Eu sempre faço meu acompanhamento visual no Hospital Oftalmológico de Brasília (HOB) e um dia, numa consulta de rotina (isso há uns 10 anos atrás), o médico viu algo diferente nos meus olhos e chamou um amigo dele, o Dr. Victor Saques para me examinar. Este por sua vez, pediu para eu fazer mais exames, como campo visual e retinografia. Fiz todos os exames e diante dos resultados, ele concluiu que eu tenho retinose pigmentar e consequentemente a síndrome de Usher. Então desde deste diagnóstico da Usher, eu passo com Dr. Saques, faço acompanhamento com ele de 6 em 6 meses. A minha retinose pigmentar de uns tempos para cá, felizmente estacionou, não progrediu, mas estou com uma pequena catarata.

 

6) E tem previsão de você fazer a cirurgia da catarata?

Na minha última consulta constatou que a minha catarata ainda é pequena, não evoluiu, que eu posso aguardar um pouco mais, apesar de eu ver uma “cortina branca” nos meus olhos vou me adaptando.

 

7) Juliana, qual foi a sua reação após você saber do diagnóstico da síndrome de Usher?

Na hora eu fiquei desesperada, porque era tudo muito novo para mim e eu não sabia até que ponto ela poderia evoluir... Entrei no estado de desespero, fiquei até um pouco depressiva... Mas o médico começou a me acalmar, falou que tinha que analisar dali para frente e como era a primeira vez que ele estava me acompanhando, eu teria que retornar lá de 6 em 6 meses para fazer os exames e saber se progrediu ou não a retinose pigmentar. Ele também me disse que é a gente que deve sempre observar o nosso campo visual... Portanto, eu faço conforme orientação médica: sempre faço os exames regularmente e na última vez que fui, a RP felizmente está estagnada. Eu sinto que não evoluiu, parece que está do mesmo jeito desde quando descobri... mas no dia do diagnóstico, para mim foi um impacto muito grande.

 

8) E a sua família como reagiu a esta notícia?

Então, como disse, sou adotada, eu não sei nada da minha família biológica... Além da mãe adotiva, tenho o meu esposo que eu falo sempre que ele é meu "segundo olho". Ele estava junto comigo no dia do diagnóstico e também ficou desesperado por não conhecer a síndrome de Usher.

 

9) E você fez o teste genético? Sabe qual é o seu tipo?

Sim! Fiz recentemente e eu tenho síndrome de Usher 2A.

 

10) Depois do diagnóstico, você procurou fazer mudanças e/ou adaptações no seu dia a dia?

Eu levo uma vida normal, sou uma pessoa independente, trabalho na área financeira, mexo com números, pego ônibus sozinha... Fui me adaptando aos poucos. E também sempre tenho a ajuda de meu esposo. Ele é uma pessoa com deficiência física, mas sempre me ajuda. Quando preciso sair de noite, por exemplo, ele me dá um sinal quando tem uma um degrau ou um buraco na frente... No meu caso, uso óculos para descanso de vista todos os dias, isso me ajuda muito também. Estou sempre me adaptando, acho necessário.

 

11) Juliana, como é o seu dia a dia no trabalho? Você tem dificuldades para executar as suas tarefas ou não? Existe acessibilidade onde você trabalha?

Trabalho em uma empresa de de saúde na área de faturamento e o meu dia a dia no trabalho é normal. Para ir trabalhar, eu vou e volto de ônibus. E em termos de acessibilidade, o ambiente é bem iluminado, os colegas  entendem a minha limitação, eu me adaptei com eles e eles também adaptaram a mim. Mas nada lá me impede de eu trabalhar, não tenho dificuldade nas minhas tarefas. Eu mexo com guia faturamento, sou muito cuidadosa e detalhista, tanto que a minha supervisora me falou que sou extremamente organizada. Sou assim porque este serviço exige muita disciplina e organização e é o que eu tenho. Acredito que eu me adaptei com essa tarefa e no local onde eu trabalho, foi reconhecida como a melhor empresa para se trabalhar na América Latina e a parte da acessibilidade aos PCDs de lá é muito boa e atende todas as minhas necessidades.
 

12) Para você, o que precisa melhorar em termos de acessibilidade, principalmente em relação à pessoas com surdocegueira aqui no Brasil?

infraestrutura para começar.... a infraestrutura no nosso país é muito precária. Por exemplo, calçada de rua: as ruas aqui onde moro, Brasília, as ruas são todas planas, mas as calçadas são desniveladas. Quando se vai a um órgão público, por exemplo, a maioria não tem rampas, as escadas não são marcadas com faixa amarela e a maioria não tem piso táteis...

Em termos de transporte público tanto terrestre, fluvial e aéreo precisa melhorar muito, mas muito mesmo... Nem sempre há assentos adequados principalmente para pessoas com deficiência física.

Já em cinemas e teatros por exemplo eu não costumo ir, por ser local muito escuro e também porque a maioria não é acessível para PCDs: são muito precários em termos de atendimento, não tem rampas, as escadas não são regulares... O meu esposo que é uma pessoa com deficiência física, usa prótese e também tem dificuldades em usar estes lugares por não facilitar para andar.

E falando de próteses, eu acho que deveríamos ter mais facilidade em comprar aparelhos auditivos que são caríssimos, isto porque a maioria são importados né? Meu aparelho, por exemplo é da Siemens e uso apenas um aparelho sendo que o ideal seria usar 2 aparelhos. Devido ao preço elevado de um, me fez eu abrir mão de outro aparelho... Uma pena, porque ao fazer o teste deles, senti que usando nos 2 ouvidos foi bem melhor para escutar... Então isso seria o mesmo para todos os tipos de próteses, todos deveriam ser mais em conta, facilitar o financiamento, mas infelizmente não temos política voltada para isso...

 

13) E quais são as dicas que você dá para que as pessoas surdocegas para facilitar as tarefas no dia a dia delas?

Bem no meu caso por exemplo, quando eu chego em um lugar que é novo para mim, que eu não conheço, que eu não mapeei na minha memória, eu sinto dificuldades... Aí no caso, a dica é procurar onde é o lugar mais reto para andar. E nestes casos, eu evito escadas, e se precisar peço ajuda para alguém me acompanhar.

A minha rotina em pegar transporte, me fez aprender certas coisas... eu consigo ler o letreiro de ônibus só quando está perto por exemplo... Quando vou para o trabalho, o ônibus é lotado, então assim dá tempo de ler e na volta é a mesma coisa, a parada é bem cheia de gente e ás vejo as mesmas pessoas que eu não conheço, mas sempre pegam o mesmo ônibus que eu... Para pegar ônibus para mim é mais tranquilo, porque eu sei que tem três degraus para subir, eu já decorei isto...

Então para mim é normal, ando da minha casa para ir na padaria, no supermercado, na feira... porque onde eu moro é bem localizado e já está tudo mapeado na minha cabeça. Eu acho que serve como dicas também para todos aqueles que tem dificuldades para andar sozinho.

E só para citar: às vezes os meus colegas de trabalho, quando vão sair comigo e vem aqui em casa, eles acabam tropeçando e eu não... rs Isto porque eu já tenho meu lugar mapeado, já sei onde é a minha rota... aí eu falo para eles não passar por ali que “tem um buraco” e ai eles tipo assim querendo me poupar, cuidar de mim, eles é que acabam tropeçando... às vezes chega a ser muito engraçado! rs

Outro detalhe que vejo em supermercados, shopping, lojas em geral é que precisam aumentar um pouquinho as letras dos preços. Quando tenho esta dificuldade, tiro foto pelo celular, dou um zoom e leio... Esta é uma sugestão que dou, mas estes lugares deveriam mesmo é investir mais nesta parte porque eles devem perder muitos clientes por causa disto.

Em relação às cores eu tenho muita dificuldade e eu preciso prestar atenção, porque se eu não tiver esse cuidado com roupas, por exemplo, as pessoas vão acabar pensando que eu vou para o carnaval... rs Então eu tenho muito cuidado com isso. Algumas cores consigo assimilar e de vez em quando, prefiro perguntar para outras pessoas que cor que é antes de comprar uma roupa. Agora se você me mostra uma bandeira de um país eu consigo falar as cores normalmente, mas se vier com esse negócio de cores amarelo queimado, amarelo claro, verde musgo, azul turquesa, não sei dizer não... rs


14) Juliana, o que você acha do atendimento em relação às pessoas com síndrome de Usher aqui no Brasil?

Olha... eu gostaria que o nosso país, o Brasil tivesse mais recursos para isso. Deveriam ter mais profissionais  capacitados para diagnosticar logo a síndrome. Isso porque quando o paciente chega numa consulta com oftalmologista nem sempre os profissionais tem recursos para detectar a retinose pigmentar e às vezes não tem conhecimento sobre esta doença. Eu acho que as empresas e a sociedade em geral tivessem mais um olhar profundo para nós...  Assim como as outras doenças raras que também não tem todo o acesso que necessitam e que o governo pudesse ter mais consciência sobre essas pessoas. Então não seria só para nós, mas para todas aquelas pessoas que tem outras doenças que não tem cura e que tenhamos mais recursos para pesquisas e estudos. O que eu tenho para falar para as pessoas que têm síndrome de Usher é para a gente se unir e lutar pelos nossos direitos e abraçar a causa um do outro para ajudando o próximo.
 

15) Juliana você acha que se tornou uma pessoa melhor depois que descobriu que tem a síndrome de Usher?

Sim! Eu me tornei uma pessoa bem melhor depois que eu descobri, porque eu comecei ter um olhar mais clínico e comecei a fazer uma autoavaliação... Se eu puder ajudar o próximo que tem esse mesmo tipo, a mesma síndrome, eu ficaria muito grata em ajudar a entender, a aceitar essa condição.

 

16) Você fala para as pessoas em sua volta que você tem síndrome de Usher?

O meu médico me disse que tenho direito à aposentadoria, mas eu não quero porque eu sou uma pessoa muito ativa, não gosto de ficar parada.... Então tem quem olha para mim assim vendo eu andando na rua, se eu for falar que sou PCD, as pessoas vão falar qual é o meu tipo de PCD, porque não aparento... rs

Mas quando perguntam qual é a minha deficiência, aí eu falo que é síndrome de Usher e o pessoal fala: “Mas o que é isto?”. E então começo explicar e perguntam se tem cura, aí eu digo que estão pesquisando, estudando... Quando pesquisam sobre retinose pigmentar, por exemplo, ficam sabendo de umas das candidatas de Miss Brasil que tem RP, que no caso dela, infelizmente está evoluindo e graças a Deus o meu estagnou.

 

17) Juliana, qual conselho que você dá para pessoas que acabaram de saber que tem a síndrome de Usher? Que mensagem você tem pra elas?

A mensagem que tenho é que nenhum mal vem para morte. Temos que edificar a vida. No começo quando descobri tive um grande baque, porque você pensa que tudo acabou, que o mundo desabou sobre você... A gente pensa que vai perder logo a visão, você pensa que que não vai ver a vida... Então nenhum mal vem para morte mas sim para edificar sua própria vida. Vamos nos esforçar, passar a vivenciar uma experiência fantástica dia após dia, começar a se adaptar, a ter um olhar mais profundo, a superar as dificuldades e correr atrás, ir à luta, porque a vida tem um grande valor. Quando eu descobri a Usher, eu fui atrás, comecei a pesquisar e depois acompanhei as redes sociais e ficou muito melhor para mim, porque eu comecei a ter contato com pessoas que têm a mesma síndrome que eu... A gente começa a ver o outro lado e foi assim que eu descobri vocês e eu só tenho que agradecer profundamente! Gratidão esta é a palavra.

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