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ENTREVISTAS

11/2021

Andrey Marcondes
Andrey Marcondes

Andrey Marcondes de 29 anos que tem síndrome de Usher 1D, é arquiteto e urbanista formado

pela Unicamp, em 2019.

Nasceu e sempre morou em Campinas-SP.

Atualmente trabalha com Design

e acessibilidade digital em uma empresa Tech.

Se interessa em estudar acessibilidade

nos espaços físicos e digitais.

E sonha em projetar produtos multisensoriais como uma forma de incluir

e conectar as pessoas surdocegas com o mundo.
 

1) Andrey conte para nós como foi que descobriram a sua surdez...
Eu nasci surdo, e logo nos primeiros meses, os meus pais ficaram com uma certa dúvida e preocupação em relação se eu tinha ou não surdez, por conta do meu irmão 4 anos mais velho que eu, ter acabado de receber um diagnóstico de surdez. Então isso fez com que a minha mãe, por ser bióloga, suspeitar que poderia ter algo genético e que eu também tivesse surdez. Minha mãe me conta que teve medo que desse positivo a surdez em mim

2) Mas você já apresentava, desde pequeno, dificuldades para escutar ou não?
Pelo que minha mãe me conta, sim. Mas também procuraram verificar isso o quanto antes para que eu logo pudesse utilizar aparelho auditivo e me adaptar a ele. Então, posso dizer que nasci quase já usando aparelhos auditivos... rs

3) Quantos anos você tinha quando começou a usar os aparelhos?
Imagino que foi um pouco antes de completar 2 anos de idade.

4) Na escola você conseguia acompanhar as aulas? Não teve dificuldades?
Tive bastante dificuldades para ouvir a professora, os meus colegas e amigos. Eu não conseguia compreender o que estava sendo falado, e por conta disso a minha comunicação era mais visual. Então eu procurava compreender as coisas por imagens, fórmulas, diagramas. E pela dificuldade de compreender a fala, eu tive dificuldade com a leitura e escrita nas primeiras séries. Mas minha mãe sempre me acompanhou para mostrar outras formas de aprender e estudar e isso me ajudou, mesmo que o meu processo demorasse mais do que meus colegas.
E no relacionamento com os amigos e colegas, eu acabei ficando tímido e com vergonha por não entender muito bem, mesmo que eu estivesse praticando leitura labial.

5) Andrey conte para nós quando você começou a ter problemas visuais.
Eu sempre tive dificuldade de enxergar à noite e muitas vezes via alguns pontos brilhantes na minha vista. Porém eu imaginava que essa forma de enxergar era assim para todo mundo. E por isso, eu achava normal.
Porém, quando eu entrei na faculdade de arquitetura, aos 21 anos, eu tive um momento de pico de estresse e isso fez aumentar os pontos brilhantes na minha vista, e comecei a perceber que não passava mesmo que eu tinha ido descansar e viajar. Foi então, que fui no médico do HC da Unicamp, querendo buscar dicas de como aliviar essa situação e saí do consultório com um diagnóstico de retinose pigmentar e Síndrome de Usher.

6) Antes disto, você já tinha ouvido falar da retinose pigmentar e Síndrome de Usher? Como foi sua reação ao saber disso?
Nunca tinha ouvido falar. Até quando o oftalmologista da Unicamp me dizer pela primeira vez. E por conta dele ter vários pacientes para atender, ele me escreveu em um papel e disse para eu pesquisar no Google o que era. No momento que eu saí da sala dele, achei estranho ele me indicar para fazer exame genético e de campo visual. Mas eu, leigo na época, achava que não era nada grave, pois na minha cabeça apenas catarata e glaucoma levava a cegueira.
Quando eu pesquisei no Google e vi o que era, eu fiquei em choque, e fiquei com medo de ficar cego no dia seguinte, pois eu não sabia o quão grave era e as informações na internet me levavam a ver a pior situação. Foi uma experiência um pouco pesada.

7) E sua família como ficou? Qual foi a reação deles?
Foi uma situação que meus pais não acreditavam, e queriam consultar outros oftalmologistas para confirmar. E quando confirmou a Síndrome de Usher, foi um choque muito grande para a minha mãe (toda mãe entende). E logo em sequência, levamos o meu irmão, para ver se ele também tinha Usher e deu positivo para ele também. Isso fez com que a gente compartilhasse a experiência e um ajudava o outro em relação a questão visual.
Mas o começo foi um momento de muita adrenalina para tentar resolver a situação, parecia que era uma corrida contra o tempo. Mas depois percebemos que existia uma estabilidade na evolução e é bem mais tranquilo do que imaginávamos. O grande choque foi na maneira como recebemos o diagnóstico pelos médicos (e o Google).

8) No caso, você e seu irmão fizeram o teste genético e qual é o seu tipo de síndrome de Usher?
Sim, fizemos. O meu tipo e subtipo é Usher 1D, meu gene é CDH23.

9) Andrey, depois que soube da síndrome de Usher, você passou a mudar o seu estilo de vida? Passou a ter mais cuidados etc?
Sim, eu considero que a Usher, foi um grande presente na minha vida. Me transformou como pessoa e me fez olhar para muitas coisas e minha aceitação.
Eu tive muita dificuldade de aceitar a minha surdez quando era adolescente, e receber o diagnóstico da visão, me fez questionar quem eu era e como aprender com isso. E isso me fez aceitar as minhas deficiências. Aliás, passei a ver como desafios e oportunidades, porque ao mesmo tempo que possamos não ser bom em algo, podemos compensar em outras coisas.
Hoje considero a Usher como uma grande mentora, e que estou sempre aprendendo com ela a olhar a vida de outras formas. Claro, tenho meus altos e baixos, mas isso faz parte do autoconhecimento.
Em questão de hábitos, eu passei a ter mais cuidados, mudei a alimentação, e também procurei estar atento à minha vista e audição. Às vezes os exames não detectam tudo, e a gente percebe os momentos de tomar mais cuidado e criar próprias estratégias para nos cuidar.

10) Você continuou estudando e trabalhando? Você poderia contar para nós se isto te ajudou (ou não) na sua vivência com a Síndrome de Usher?
Sim, sempre continuei os estudos e os trabalhos, nunca senti que desistir por conta do diagnóstico iria ser a solução. Na verdade, descobrir novas formas de fazer as coisas, me trouxeram um prazer e uma conexão de aprender com a Usher. Vejo a Usher como uma mentora para mostrar caminhos para inovar com os desafios que tenho.
Alguns momentos eu tive que reavaliar como atuar e minimizar certos riscos, por exemplo, na arquitetura, tive trabalhos em obras e percebi que existem muitos riscos, como buracos, ferros expostos, máquinas, e para evitar quaisquer acidentes por não conseguir enxergar tudo, acabei procurando trabalhar com mais cuidados e de forma mais estratégicas.

11) Andrey, o que você acha da acessibilidade de modo geral aqui no Brasil?
Quando a gente fala em acessibilidade no Brasil, sabemos que isso revela uma desigualdade muito grande. Nas grandes cidades é possível ver um pouco mais de acessibilidade, do que nas cidades menores e do interior.
Existem locais super acessíveis, porém não há pessoas com deficiência usufruindo, seja porque o trajeto não é acessível, como não sabem que existem. Assim como existem institutos que recebem muitas pessoas com deficiência, mas que por falta de verba não conseguem uma infraestrutura acessível.
E quando a gente fala de conexões para ligar a acessibilidade com as pessoas com deficiência, é comum perceber que para muita gente a "acessibilidade é resolver para cadeirantes", então há uma desigualdade em acessibilidade para pessoas cegas, surdas, entre outras deficiências, e por isso é sempre um mistério, às vezes pode deparar com um piso tátil que vai a lugar nenhum, ônibus acessível que o motorista não para, estabelecimentos acessíveis, mas não tem preparo de atendentes em Libras.
E por conta dessas surpresas e muitas faltas de acessibilidade, a gente vê poucas pessoas com deficiência usufruindo os espaços, culturas, etc...
Enfim, a acessibilidade é algo que vai além dos projetos. E para muita gente é apenas um edifício ou produto acessível, mas precisa envolver o serviço como todo.
Felizmente tem ganhado força a questão de acessibilidade e inclusão e tem ido além das lutas e gerado visibilidade, e principalmente o universo digital e tecnologia tem avançado muito com acessibilidade, muito mais do que os espaços físicos.

12) Você acha que faltam muitos recursos de acessibilidade também para pessoas surdocegas?
Sim, bastante, até porque há pouca acessibilidade para pessoas cegas, com baixa visão e surdas, e imagina quando a gente tem uma complexidade como a surdocegueira? E isso vai além de resolver separadamente a acessibilidade para surdos e para cegos e depois juntar. Claro, irá resolver muito, mas há diferentes graus e tipos de surdocegueira que deixam o desafio ainda maior.
É uma dinâmica diferente e complexa. Como existem vários tipos, acontece que cada pessoa surdocega tem um modo de caminhar, de se comunicar, de entender, e por conta dessa diversidade isso faz com que para algumas pessoas o local seja confortável, bem iluminado, e para outras não. Assim como a forma de comunicação ser compreensível e para outras não conseguir compreender bem. Então sempre algo pode acabar tendo uma diferença e não sendo acessível para todos de forma global. E isso reforça o quanto precisamos envolver mais ações de acessibilidade para os surdocegos, pois de certa forma irá também ajudar as pessoas surdas, pessoas com baixa visão e cegas.

13) E quanto às políticas públicas em relação às pessoas com deficiências, principalmente com pessoas com surdocegueira, você acredita que tem muita coisa a fazer, muita coisa a lutar?
Sim, é uma luta constante e sempre haverá, porque ter todos os locais 100% acessíveis é uma utopia. E por isso tem de ser estratégica para incluir as pessoas surdocegas e ampliando a acessibilidade para outras dimensões e nos locais que irão ter impacto maior.
Hoje sabemos que a luta das pessoas com deficiência tenta englobar todo mundo, mas a questão da surdocegueira não é contemplada como deveria, isso muito por conta que a política destina verbas ao maior número de interesse.
E para isso, precisamos acima de tudo mostrar esse universo da surdocegueira em todos os setores possíveis, tanto o setor público, como o privado, para que isso mostre a relevância e a importância de incluir pessoas surdocegas.
O trabalho nas políticas públicas é promover não só a acessibilidade à nós surdocegos, mas também a oportunidade, seja com educação, trabalho, cultura, tanto para as pessoas surdocegas serem contempladas com esses serviços, como divulgar esse universo para as pessoas, e assim criar um laço de empatia e inclusão.

14) Andrey, você acha que se tornou uma pessoa melhor depois que soube que tem a síndrome de Usher?
Acredito que depois de descobrir a Usher, a forma de ver o mundo mudou. Não vejo que antes eu era pior ou melhor de quando eu recebi o diagnóstico, mas sinto que eu pude olhar mais para o universo das pessoas com deficiência e também para os sentidos sensoriais.
Eu confesso que até hoje, falando em 2021, tenho dificuldade em aceitar alguns pontos das minhas deficiências e principalmente por querer caminhar no perfeccionismo. Mas a Usher me mostrou que a imperfeição é mais interessante e instigante, que cria muitas possibilidades e oportunidades.
 
15) E qual conselho que você dá para uma pessoa que acabou de saber que tem síndrome de Usher?
Olha, o diagnóstico não define quem é você e muito menos vai acabar o seu mundo.  A Usher é uma descoberta de um desafio que você vai acompanhar pela vida. Você vai se cuidar, vai se informar, vai aprender sobre a Usher, e vai entender como conviver com ela da melhor forma.
No começo é normal sentir medos, inseguranças, pode ser que você não aceite isso. Mas a sua vida, seus projetos, os seus sonhos vão continuar e a Usher vai dar um novo "toque" para eles. Quanto mais cedo você acolher a Usher, mais descobertas interessante você sentir, principalmente com os sentidos sensoriais.
E aproveite para conhecer as pessoas com Usher que você conhecerá muita gente legal e verá que é possível conviver muito bem com Usher.

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