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ENTREVISTAS

05/2018

Fernando Scalabrini
Fernando Scalabrini

Fernando Scalabrini, 37 anos,
nasceu em São Paulo, capital,
é integrante do Papo Acessível:
um podcast produzido, apresentado
e editado por deficientes visuais.
Leiam!

1) Fernando conte pra nós como começou a sua surdez.

Não sei quando exatamente, mas lembro que eu tinha o “costume” de ouvir a TV mais alta já por volta dos 12 anos.

 

2) Mas você escutava normalmente? Não tinha dificuldades para falar?

Não, a minha dificuldade em relação a audição nunca foi grave a esse ponto, nunca tive problemas na fala. A parte da Usher que mais me prejudicou foi na visão. Até os 27, 28 anos eu nem sabia que a minha dificuldade auditiva estaria ligada à visão, geneticamente falando.

 

3) Mas você usava aparelhos auditivos desde pequeno?

Não, o meu primeiro aparelho auditivo foi por volta do ano de 2003, eu já tinha 23 anos. Como falei antes, eu tinha alguma dificuldade, porém elas não me afetavam no dia a dia, pelo menos não na infância ou adolescência.

 

4) Então no seu caso, você sentiu mais impacto com os problemas visuais... Como foi que você começou a a perceber seus problemas visuais (você tropeçava muito, enxergava menos na escuridão... etc)?

Sim, no meu caso a visão foi, e é até hoje, a parte mais prejudicada. Eu descobri a retinose pigmentar aos 12 anos, jogava bola na rua a noite e certa vez não percebi a bola vindo em minha direção, contei para meus pais e estes me levaram ao médico, lá foi constatada a Retinose, porém em estágio muito inicial. Sai do consultório como se não tivesse entrado, ou seja, nada tinha pra ser feito e nenhuma previsão do que aconteceria. Vivi normalmente, com pouquíssimas dificuldades nessa época, talvez andar a noite tenha sido um pouco mais trabalhoso, mas nada além disso. A retinose começou a me afetar mesmo por volta dos 24 para os 25 anos, foi quando tive de parar de dirigir, parar de andar sozinho a noite etc.

 

5) E foi nesta fase que você começou a usar aparelhos auditivos? Foi ao mesmo tempo que você percebeu a sua retinose piorar?

Sim, pode se dizer que foi quase na mesma época. Percebi que estava falando muito “han” e “que”, minha família também me ajudou a perceber isso. Lembrando melhor, foi um pouco antes, pois nessa época, do meu primeiro aparelho, eu ainda dirigia.

 

6) Você conseguiu adaptar bem com os aparelhos? Não foi difícil acostumar?

No começo foi bem difícil sim, principalmente porque descobri uns 2 ou 3 anos depois que o aparelho que me indicaram, que eu usava, não era o indicado para a minha perda. A minha perda é conhecida como “rampa de ski”, ou seja, o gráfico é uma rampa, onde a maior dificuldade está nos agudos. O aparelho que me venderam era um micro canal, quando na verdade eu deveria usar um "open fit", de adaptação aberta.

 

7) Quando você soube de sua retinose e também da sua surdez, te falaram que era a Síndrome de Usher ou não?

Não, eu não fazia ideia de que uma coisa estava ligada à outra... fui descobrir praticamente sozinho, por volta dos 28 anos, pesquisando sobre tipos de retinose na internet, foi aí que me deparei com o nome “Usher” e pensei “isso é muito parecido com o que eu tenho...”. Depois fui procurar um especialista e comprovei a minha suspeita.

 

8) Hoje você usa qual tipo de aparelho? Você se sente bem com eles?

Hoje eu uso o chamado “open fit”, são bem pequenos e uma parte, dos microfones e aparelho em si, ficam sobre a orelha e desce um fio imperceptível que na ponta possui uma oliva, que leva o som pra dentro do ouvido. São bem confortáveis e não dão a sensação de oclusão, de ouvido tampado.

 

9) Fernando, qual é o seu tipo de síndrome de Usher?

Boa pergunta, eu não sei... o primeiro teste genético que eu fiz deu inconclusivo... e por motivos financeiros, por ser muito caro, não pude fazer um mais completo.

 

10) Quando você vai aos médicos, você diz que tem a Síndrome de Usher? Eles conhecem ou não? Ou você tem que explicar?

Hoje em dia eu consulto com a Dra Juliana Salum, uma das maiores especialistas em retina do país. Mas em se tratando de outros médicos, sem ser oftalmologista, sim, eu tenho sempre que explicar o que é e o que eu tenho, caso seja relevante ou cause curiosidade.

 

11) Fernando você tem um blog, não é? Conte para nós sobre seu trabalho.

Na verdade é um podcast, que são programas em áudio bem produzidos, com aproximadamente 1h de duração, para ser ouvido sob demanda, quando a pessoa quiser e na hora que quiser. Ele se chama Papo Acessível, foi o primeiro no Brasil a ser totalmente produzido, apresentado e editado por deficientes visuais. Nasceu com o intuito de divertir, entreter e levar mais informação a todos, independentemente de ter ou não uma deficiência, e promover a verdadeira acessibilidade. Publicamos 1 vez por semana e pode ser assinado gratuitamente em qualquer aplicativo de podcast para iOS, Android ou computador, pode ainda ser ouvido direto do site.

 

12) Fernando, mesmo que seu podcast seja acessível para todos, ele não te atrapalha por causa de seus problemas auditivos?

Não, como falei, o que realmente está ruim hoje é a visão, com cerca de 3 ou 4% de resquício  somente no olho direito, a audição não me atrapalha tanto para editar. Eu que edito os programas e faço isso usando o NVDA e atalhos de teclado. Claro que se eu não tivesse problema de audição seria mais fácil, mas isso também vale pra visão... e a gente se adapta com o que tem.

 

13) Muito bom você incentivar a acessibilidade no seu podcast! O que você acha que precisa melhorar mais na acessibilidade aqui no Brasil?

Infelizmente muita coisa... a começar pela consciência do que é acessibilidade. Enquanto a maioria da população entender que acessibilidade é para uma minoria de coitadinhos, nada vai mudar... acessibilidade é um conceito muito mais amplo, nós temos hoje 1/3 da população mundial com algum tipo de deficiência, isso significa um mercado gigante de pessoas sem acesso, por exemplo, a coisas básicas, imagina a hora que o empresário brasileiro descobrir, como o americano já descobriu, que essas pessoas consomem? Resumindo, a cultura precisa mudar e isso mudamos com educação, tratando todos como iguais sendo diferentes, desde o primeiro ano da escola. Qualquer outra coisa ajuda, mas só tapa buraco.

 

14) Você sofreu ou ainda sofre discriminação ou preconceito por ter Síndrome de Usher?

Não, nunca sofri preconceito, pelo menos não que eu tenha percebido ou que tenha sido explícito. Eu creio, é um achometro meu, que é porque não aparento ter qualquer deficiência, a não ser por estar segurando uma bengala.

 

15) Então você usa bengala? Qual seria seu conselho para as pessoas de baixa visão que não aceitam usar a bengala?

Uso e não conseguiria dar 2 passos na rua sem ela. É difícil dar conselhos né... é uma questão de aceitação, de entender que será um auxílio e que trará uma segurança e independência muito maior. Eu já passei por essa fase, aquela em que a gente acha que enxerga, mas na verdade é só medo. Garanto que estar segurando uma bengala não será nenhum demérito na sua vida, pelo contrário. O que posso recomendar é conhecer o projeto Bengala Verde e procurar um curso de orientação e mobilidade, no mínimo você sairá mais bem informado.

 

16) Fernando, além de você ter podcast, você tem outros planos, trabalhos futuros?

Eu gostaria muito de falar para empresas, gostaria de levar o Papo Acessível para os ouvidos dos empresários, gestores de recursos humanos, gerentes, funcionários etc. sinto que se fala muito bonito em palestras, que a acessibilidade está na moda, mas não se mostra a realidade de fato, não se conta realmente o que precisamos, não se altera a consciência. Levar o nosso bate papo bem humorado Brasil afora é um projeto futuro, um sonho.

 

17) Que conselho você daria para uma pessoa que acabou de saber que tem a Síndrome de Usher? Qual seria sua mensagem?

Conte até 10, respira... eu sei, é uma zerda... mas garanto que você, aos poucos, vai contornar as dificuldades, principalmente com o uso da tecnologia. Procure pessoas que já passaram por isso, sites como esse, se informe o máximo que puder e muito cuidado com receitas ou curas mirabolantes. O mais importante, sentar e chorar não paga conta, levanta a cabeça e da a volta nessa pedra aí. 😉

 

 

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