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ENTREVISTAS

10/2024

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Lucia de Fatima Fernandes Correia

Lucia, 62 anos, nasceu e mora no Rio de Janeiro nos conta nesta entrevista sobre sua surdez e como descobriu tardiamente a retinose pigmentar.E foi neste intervalo que ouviu pela primeira vez  sobre a Síndrome de Usher.

Confira mais detalhes abaixo!

1) Lucia conte para nós quando você começou a ter problemas auditivos.

Não me lembro bem, sei que foi quando eu era bem pequena, já sentia alguns problemas auditivos, apesar que não era levada muito a sério pela minha família, porque eu escutava algumas vezes, outras vezes não. Mas só fui usar aparelhos agora há uns 10 anos, mais ou menos.

 

2) Então, como você conseguiu driblar a sua surdez? Seja na escola e no trabalho? E quando você sentiu a necessidade de usar aparelhos auditivos?

Na verdade, consultando o otorrino, ele falou da importância de usar para preservar o que ainda tinha de audição. Me explicou que ao usar o aparelho eu estimularia os sons que ainda escutava, mas o que já havia perdido nada poderia ser feito. Como eu conseguia escutar a maioria das conversas e o que não escutava pedia para o outro repetir eu nunca tive muita vontade de usar. Até hoje passo dias sem usar esqueço deles, apesar do aparelho  ter melhorado bastante a minha audição. Eu só realmente uso em momentos muito importantes, quando eu percebo que eu não vou compreender o que as pessoas estão falando como reuniões, palestras e  encontros em família.

Na escola, eu sempre sentei na frente exatamente para poder escutar melhor as pessoas. Aconteceu um momento bem sinistro na minha vida por conta da audição, quando jovem aos meus 20 anos fazendo faculdade de física, num auditório onde era realizado as aulas, o professor ficava a uma distancia entre  5 a 10 metros dos alunos. Nesse período tive um professor que  ministrava suas aulas bem baixinho e eu comecei a ficar nervosa pois não compreendia nada que o professor ensinava e nem o que ele falava. Foi a primeira vez que senti a necessidade de ter um aparelho. Busquei meu pai que prontamente comprou um aparelho.  Infelizmente o aparelho não atingiu o seu objetivo e eu continuava a não escutar e com isso eu tentava aumentar o som do aparelho. O que acontecia? O aparelho começava a apitar e eu tinha que desligar o mesmo. Além disso, muitas vezes o aparelho sintonizava mais o barulho das conversas dos meus colegas atrás que abafava mais ainda o professor. Resumo da historia: fui reprovada na matéria. No ano seguinte retornei a sala e o professor era o mesmo, então fui na secretaria e troquei de turma. Quanto ao aparelho, não me serviu em nada e me deixou até com fobia de usar. Por isso, depois eu demorei tanto tempo para poder usar. Foi a primeira vez que eu tive um grande e sério problema com a audição, e isso me deixou bem triste.

 

3) Como você disse você começou e tentou usar aparelhos auditivos na época da faculdade e voltou a usar há uns 10 anos atrás... O que motivou você a usar?

A adaptação do primeiro aparelho, como lhe falei foi péssima, eu acabei parando de usar, isso eu tinha uns 20 anos Aos 50 anos, eu comprei um aparelho mais moderno. O médico me recomendou que eu começasse a usar um aparelho auditivo para preservar a minha audição. A adaptação foi ótima, ele me ajuda na conversa de quem está perto, também se estiver em grupo, dá para se escutar melhor, ou seja o aparelho se adapta ao momento em que me encontro e isso é muito bom! Hoje em dia,  quando vou a uma reunião, o aparelho consegue colocar em uma frequência e eu escuto tudo. Os aparelhos agora são diferentes, bem melhores e acho que a adaptação é melhor também. Os aparelhos a cada dia vem com mais tecnologias e o último que comprei veio até com bluethoot. Quanto a minha audição o que eu  perdi, perdi. O aparelho amplifica os sons que ainda escuto. Muitas vezes minha família reclama: ”Você não esta usando o  aparelho?". E eu respondo: "Estou sim, mas não consigo compreender!".

 

4) E quanto a visão? Conte para nós quando você percebeu ter problemas visuais.

É engraçado, né? Eu só fui perceber que eu tinha problema de visão, um pouco antes da pandemia. Na verdade, eu era estabanada, caia por tudo, chutava tudo, e muitas vezes me machucava.

Houve um episódio na minha vida, onde trabalhava existia  barreira para evitar estacionamento tipo um bujãozinho de uns 50 cm de altura e muitas vezes eu não os enxergava e levava um tombo feio. Eu sempre me achava simplesmente "a estabanada", que não prestava a atenção nas coisas e nada mais... E em 2018 para 2019 eu estava fazendo uma obra e eu comecei a chutar latões de tinta, aí eu falei: “Caramba, que estranho eu não estou enxergando um negócio tão alto!”. E foi aí que senti a necessidade de procurar um médico. Quando cheguei no medico relatei o que estava acontecendo e ele me passou vários exames e um deles foi de campo visual. Ao acabar de realizar esse simples exame a médica responsável se aproximou de mim e me perguntou se eu tinha problema de surdez. Eu fiquei intrigada  com a pergunta dela e pensei “Como ela descobriu?”. Eu falei que sim e ela logo falou que podia ser uma doença chamada Usher, foi a primeira vez que ouvi sobre essa doença. Ela foi certeira em seu diagnostico!

Então começou minha maratona de exames para saber o que realmente estava acontecendo e a cada exame realizado, o diagnostico ia se confirmando. A retina estava afetada! Fui a vários médicos, um dos medicos pediu um parecer com um otorrino. Fiz vários exames inclusive de equilíbrio. No final, o oftalmologista concluiu: “Provavelmente é esse diagnóstico mesmo.” Nessa época eu e a minha irmã, começamos a ficar preocupadas, começamos ver que a doença era séria, até então eu estava levando na brincadeira, mas, assim que a gente percebeu isso, minha família ficou preocupada e marcou uma consulta com a Dra Juliana Sallum em São Paulo, que eu acabei desmarcando, porque foi exatamente entre março e abril de 2020, exatamente no início da pandemia. E depois eu soube de uma outra médica no Rio de Janeiro, Dra Rosane Resende, que é uma médica geneticista que trabalhava junto a doutora Juliana de São Paulo. A partir deste momento  eu venho cuidando com ela.

 

5) Depois desta consulta com a retinóloga, você fez o teste genético?

Sim, fiz com a doutora Rosane, ela me colocou num projeto para realizar o teste genético e foi diagnosticado que eu tinha Usher 2A. E o meu era um gene bem raro, era um entre 125 mil pessoas. Ela falou que provavelmente ficarei cega totalmente, eu tenho meus bastonetes ainda preservados, graças a Deus ainda consigo enxergar bem. No ano passado, eu fiz uma cirurgia da catarata no olho esquerdo e também estou com catarata no olho direito. Eu realizei o procedimento só que eu não vi muita melhora e sinto que minha perda da visão está acelerando. Sinto a perda de visão aumentado a cada momento Minha visão lateral vai se  esvaindo, minha visão vai se afunilando e centralizando. Fica difícil andar no meio da rua com muita gente pois tenho que caminhar olhando para baixo e as pessoas correm e entram na minha frente achando que eu vou sair da frente e o que acontece é um grande esbarrão. A noite com a cegueira noturna eu evito sair para não me machucar É tenebroso andar nos lugares mais escuros. Se as pessoas me convidam para sair eu agradeço e não vou. Eu agora começo a sentir a necessidade de usar uma bengala para me proteger, para as pessoas me enxergarem e prestarem a atenção em mim e não entrarem na minha frente. Além de me proteger contra quedas. eu quero continuar independente. Vivo sozinha, moro sozinha!

 

6) E por conta da catarata, depois da cirurgia, você está usando óculos?

Sim, eu continuo usando óculos para perto. O meu grau de astigmastimos aumentou bastante. Para longe eu não usava óculos. Se antes eu podia me dar o luxo de ler as coisas sem óculos, agora não há essa possibilidade. Apesar da operação de catarata ter dado uma clareada na minha visão, não senti muita melhora no restante.

Quanto ao óculos de sol eu tento usar. Quando está claro, sinto a necessidade e tenho sensibilidade ao sol, então coloco o óculos, mas rapidamente retiro, pois fica escuro ao passar por um trajeto sem sol e aí fica o tira e bota de óculos

 

7) Lucia qual é a sua maior dificuldade em ser uma pessoa com síndrome de Usher?

Eu tento conviver bem com a doença, porque ela ainda me deixa fazer muitas coisas, mas eu começo a me sentir mais limitada tanto na audição (quero escutar, não entendo e fico nervosa) quanto na visão que me limita e não permite que eu anteveja um possível acidente. Outro dia fui atropelada numa noite, graças a Deus, o carro passou raspando pelo meu nariz e só passou por cima do meu pé... Eu tenho que prestar muito mais atenção agora para não me machucar de novo, mas eu não desisto! Eu tenho uma vida bem normal, moro sozinha, ainda viajo sozinha, tento fazer com que a doença não me limite tanto.

Quanto a minha moradia durante um tempo morei num lugar perto da praia mas longe de tudo. As calçadas eram irregulares e eu tinha que caminhar pelo meio da rua para não cair. Hoje moro numa casa onde as calçadas são mais regulares, existe mercado e condução fácil além de bancos e farmácias, porém a casa é um duplex e por isso já estou me organizando para morar num apartamento plano onde tentarei adapta-lo ao meu novo tipo de vida, apesar de estar algumas vezes apreensiva com que pode acontecer comigo, vou tentando fazer da minha vida um momento fácil. Não me deixo abater e confio em Deus para ele me proteger.

 

8) Você já tinha ouvido falar da síndrome de Usher antes? E qual foi sua reação ao saber que tem a Usher?

Como falei, a primeira vez que eu escutei sobre essa doença foi com uma doutora no dia do exame de campo visual. E a doutora, automaticamente, me falou dessa doença. Aos poucos, a gente foi conhecendo essa doença, com exames nas mãos mostramos a um amigo que nos deixou bem aflitos. Minha família me acompanhou durante todo esse processo inicial e eles ficaram mais assustados do que eu. Porque, de repente, ficar a par de tudo, é assustador, mas para mim, não foi, não. A  minha família toda ficou muito preocupada, eles me acompanhavam em todas os médico, eles tomavam conta de mim. Até que o diagnóstico chegou, vimos que não teria  nada o que fazer... Então segui em frente e hoje em dia eu resolvo as minhas coisas sozinha como sempre resolvi. Agora que a visão começa a piorar, começa a cair a ficha e algumas vezes fico triste, mas logo mudo meu pensamento e fico querendo aprender coisas que me ajudem na nova etapa da vida. Eu estou querendo no próximo ano fazer braille para já começar a me adaptar para a possível nova vida, que a vida está me dando de presente.

 

9) Mas você já pensou em fazer Curso de orientação e Mobilidade?

Sim, eu quero começar a fazer os cursos, nem sei quais, eu pensei no Braile, eu tenho que descobrir quais cursos seriam importantes para que eu possa continuar tendo uma vida de qualidade. Então, realmente, todos os cursos que aparecerem e forem importantes, eu vou  fazer.  

 

10) No momento você trabalha?

Eu trabalhava numa empresa até 2020, assim que eu tive o diagnóstico e chegou a pandemia, eu fechei a empresa. Hoje estou aposentada, mas não consigo ficar parada. Estou sempre inventado alguma coisa ou pintando, ou reformando alguma coisa. Não trabalho fora, mas estou sempre fazendo algo. Sou bem agitada e fico procurando coisas para fazer.

 

11) Na sua família há mais casos de síndrome de de Usher?

Na minha família, creio que apenas eu. Tenho na família pessoas que são cegas, mas não cegas e surdas. Com Usher, somente eu, que eu tenha conhecimento. Apesar da minha família ser toda portuguesa, meus pais não são primos. Minha família se pergunta como consegui essa doença... A única formulação que temos é que eles morando no mesmo vilarejo em uma ancestralidade, os meus ancestrais se uniram como familia.

12) E você conhece alguém pessoalmente com síndrome de Usher?

Pessoalmente, eu não conheço ninguém. Eu comecei a fazer parte de alguns grupos de pessoas, mas nunca tive o prazer de conviver com ninguém com essa doença.

 

13) Lucia, você acha que se tornou uma pessoa melhor depois que soube ter a síndrome de de Usher?

Acho que não... Fiquei apenas uma pessoa mais isolada.

 

14) Lucia você procurou algum serviço de apoio? Existem instituições neste ponto no Rio?

Já dei entrada em alguns benefícios como retirar o IR do meu contracheque e ter cartão de ônibus para me movimentar e quanto às instituições, no IBC eu quero estudar o curso de braille mas realmente não sei por onde começar... Quero começar a fazer mais coisas para continuar com minha independência e realmente não sei por onde começar...

 

15) Qual mensagem que você deixa para a pessoa que acabou de descobrir que tem síndrome de Usher?

Eu gostaria de dizer a todos para termos confiança em Deus, porque Deus não entregaria nada para nós se nós não pudéssemos suportar. Ele confia na gente, ele sabe da nossa força. Precisamos não desistir, precisamos buscar coisas que nos façam felizes, precisamos lembrar que nossa mente continua livre e com ela poderemos voar e alçar voos novos. Precisamos fazer da nossa vida, uma vida melhor para nós mesmo. E sermos felizes com essa nova vida! Deus abençoe a todos!

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