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ENTREVISTAS

04/2021

Raquel Moreno
Raquel Moreno

A paulistana Raquel Moreno, 46 anos e hoje moradora
de Piracicaba,
interior de São Paulo,
nos conta como foi
seu processo
da surdez progressiva,
do implante coclear,
da retinose pigmentar
e também
da síndrome de Usher. 
Confira! 

1) Raquel conte para nós como descobriram a sua surdez.

Eu me dei conta da surdez aos 17 anos. Nesta idade eu já não ouvia do lado direito, e fui levando a vida numa boa, até começar a sentir o peso de não poder ouvir direito e mesmo assim negava minha perda auditiva para todas as pessoas. Fui me especializando em leitura labial sem perceber.

Já casada no ano de 2000 mais ou menos, meu marido me levou em um otorrino, que fez a indicação do uso de aparelho auditivo, e o otorino me deu o diagnóstico de “perda auditiva neurossensorial bilateral progressiva”.

Passei por vários médicos e todos diziam a mesma coisa, um deles chegou a cogitar a cirurgia do Implante Coclear, mas naquela época pouco se falava nisso e a explicação do médico não foi nada agradável...

Na época era muito caro o aparelho auditivo (e ainda é...) pagamos uma fortuna, parcelamos em várias folhas de cheque e com muita vergonha, eu não usava direito... quem usava meu aparelho era minha bolsa.... rs Eu não queria que ninguém soubesse da minha perda auditiva e eu achava que conseguia mentir da minha surdez para as pessoas.

O tempo foi passando e a perda auditiva progredindo por falta de estímulo...

 

2) Então, quando você começou usar firmemente os aparelhos auditivos?

A data certa não sei, mas só em 2015, através de uma Associação da Policia Militar eu consegui ter um bom aparelho, bilateral, pequeno, discreto e com muitos canais. Usei ele firmemente, e finalmente assumi minha perda auditiva nesta época.

Antes disso, eu odiava meu aparelho e adorava ficar no silencio, sempre fui boa na leitura labial, e as pessoas nem percebiam. Quando eu colocava o aparelho auditivo sofria... Ele era grande, cor bege, ultrapassado... e meus amigos riam, faziam piada e eu tinha pouquíssimo ganho com ele. Meu primeiro aparelho auditivo realmente foi um desastre.

 

3) E hoje como está a sua audição?

Em 2017, acordei completamente surda, tomei um susto! Quando eu pus os aparelhos auditivos achei que eram eles que não estava funcionando, então eu fui na loja e não era nada disto... Eu também percebi que eu falava e não me ouvia, tinha a sensação de que eu estava dentro de uma caixa. Daí depois disto eu fui ao médico e fiz novos exames. Até que o diagnóstico o médico me disse: “Você chegou na ‘anacausia’ ou seja, você está com ‘total’ ausência do som bilateral.” Foi aí que começamos a pesquisar sobre o Implante Coclear. Pesquisei cada marca, fiz uma planilha para entender tudo o que cada marca oferecia, fui atrás de implantados e conheci uma legião de pessoas com problemas parecidos. Optei pela marca que uso hoje por inúmeros fatores e posso dizer que tenho uma audição muito próximo do que eu lembro.

Fiz primeiro o lado direito porque era o lado que estava há mais tempo sem ouvir e posso dizer que foi impressionante, no dia da ativação, eu ouvi a minha voz, foi emocionante! Isso faz 2 anos... Em novembro do ano passado, resolvi implantar o lado esquerdo.

Os sons ambientes escuto todos e quanto às as frases, as pronúncias, estou em treinamento constante: faço fonoterapia e treino pesado diariamente, então eu treino a compreensão e consigo entender o quanto de som e qualidade sonora eu ganhei.

 

4) Raquel qual conselho que você dá pra uma pessoa que reluta em usar aparelhos auditivos ou Implante Coclear?

É preciso acostumar o cérebro aos sons, é preciso persistência e constância. Aparelho auditivo e IC são indicações médicas e pode ser usado juntamente com a Libras por exemplo, uma coisa não exclui a outra. Meu conselho é sobre ter coragem, trazer para perto seus familiares... Nossos familiares precisam entender nossas dificuldades e nos ajudar da melhor forma possível.

É preciso também encontrar a solução correta, por isso antes de comprar algo, pesquise! No caso de AASI é possível testar várias marcas, até encontrar algo que te traga benefício. Não deixe de estimular a audição jamais!

 

5) Raquel conte pra nós como você começou a ter problemas visuais.

Nossa... essa é uma questão complicada... Aos 35 anos, comecei a usar óculos porque fui diagnosticada como astigmatismo leve... Fui levando a vida normalmente com o uso das lentes. Em 2019, comecei a perceber dificuldades à noite... parecia que eu estava com binóculos, comecei a tropeçar nas coisas, nas pessoas... Mas como isto acontecia apenas à noite... Durante o dia, voltava ao normal, nem lembrava de ir ao médico para ver isso.

 

6) Mas quando você teve o diagnóstico da retinose pigmentar?

A retinose pigmentar foi diagnosticada no final de 2019. Mas eu não estava acreditando e aí comecei uma maratona de exames e outras opiniões. Não é facil ouvir que além de surda, você pode ficar cega.

 

7) Foi aí que você recebeu também o diagnóstico da síndrome de Usher?

Sim no terceiro médico, especialista em retina, ele fechou diagnostico de Usher tipo 3, fez laudo inclusive, mas eu não fiz o teste genético...

 

8) Na sua família tem casos de pessoas com surdez e/ou retinose ou mesmo com Usher?

Há pouco tempo descobrimos que meu tio de sangue tem retinose pigmentar há muitos anos, e que agora começou a apresentar problemas para ouvir... Mais uma comprovação de que eu posso ter herdado... Mas eu ainda penso em fazer o teste genético, pena que é muito caro e meu convênio não cobre.

 

9) Depois deste diagnóstico da síndrome de Usher qual foi a sua reação e a sua família e amigos como reagiram?

Foi traumático demais, peguei um médico duro que falou firmemente em cegueira e disse que eu deveria procurar uma associação para começar a treinar a bengala.

Eu escondi da minha família, dos meus amigos, guardei a notícia pra mim. Entrei em uma profunda depressão e comecei a perguntar para as profissionais que me acompanhavam com a surdez... fui recebendo dicas ali e dicas acolá... até pesquisar e conhecer várias pessoas com isso. Você do site, foi uma delas por exemplo... rs

Há pouco tempo contei para alguns amigos e alguns familiares, mas ainda e infelizmente não foi possível uma conversa séria sobre isso. É um assunto que ninguém quer tocar e eu vou seguindo assim.

Uma reação interessante de contar, foi que eu comprei a tal bengala, e ao recebe-la parei no Rio de Piracicaba sozinha e comecei a orar, e joguei uma bengala novinha no rio. Hoje me arrependo, pois preciso comprar outra, e rápido... rs

Outra reação foi quando eu fui em uma instituição aqui na minha cidade, linda, tudo muito arrumado, acessível, maravilhoso, mas não consegui me enxergar ali precisando de todas aquela ajuda. Vivi com um conflito muito grande entre ser cego e enxergar mal a noite.

Costumo dizer que à noite eu viro abobora, porque durante o dia, minha vida segue sem grandes problemas.

 

10) Hoje como está a sua visão?

Hoje, a minha retinose está estacionada, graças a Deus! Por isso, achei que foi desnecessário o que meu primeiro médico disse. Ele poderia ter sido mais leve por que eu nunca tinha ouvido falar da retinose pigmentar antes na vida...

 

11) Então você também nunca tinha ouvido falar da síndrome de Usher? Você conhece pessoalmente alguma pessoa com Usher?

O nome síndrome de Usher fui conhecendo de forma autodidata. Em um evento em São Paulo, eu conheci os lendários Carlos Jorge e Sofia. Em Sumaré conheci outro Carlos. Mas todos com cegueira muito avançada.

Recentemente conheci um rapaz em SP que é Uber Eats durante o dia e consegui “me ver”, sabe como é? Consegui me identificar: “Puxa eu sou assim...”. Converso com ele até hoje. Ele não consegue ter tanta autonomia durante à noite, mas durante o dia, anda de bicicleta.

Sou amiga da Rebeca Alexander, sempre conversamos, ela é americana, mas não a conheço pessoalmente. E graças a pessoas nas redes sociais que entrei em 2 grupos, onde aprendo muito. Falo pouco ou quase nada, mas aprendo demais...

 

12) Raquel, você acha que se tornou uma pessoa melhor depois que soube da síndrome de Usher?

Sem dúvida nenhuma passei a lutar ainda mais. Sou muito envolvida com políticas públicas, antes eu era voltada apenas para surdez, agora me posiciono em todas as deficiências, passei a ver a vida de outra forma e vivo muito bem assumindo meus problemas e encarando eles de frente.

 

13) Raquel, então conte para nós mais detalhes sobre sua participação nas políticas públicas.

Eu comecei com um projeto simples na minha cidade, fazendo testes de audição para policiais militares, sou esposa de um Major da PM na ativa, só que o projeto cresceu e saiu nos jornais, e outros batalhões quiseram o projeto também.

Resolvi escrever e adaptar este projeto para a saúde auditiva de crianças, sempre me preocupando com o registro disso tudo, por conta de plágio, e então comecei a falar sobre deficiência na Tribuna Popular de diversas cidades e Estados, para onde eu ia viajar, eu pedia para falar na tribuna popular. Fui conhecendo o meio político e conquistando apoios. Palestrei e ainda palestro em inúmeras empresas sobre a saúde auditiva e falo muito sobre a diversidade surda.

Neste tempo pude conhecer a cultura surda e me apaixonar por ela, antes mesmo de me apaixonar pela libras, e passei a estudar demais. Hoje me considero bem avançada na libras, seria prepotente dizer sobre a fluência em libras, mas assumo qualquer risco com qualquer surdo e nunca fiz feio.

A comunidade surda no geral, me aceita muito bem mesmo sendo implantada e não nascendo surda, tenho uma gratidão imensa aos surdos e por isso luto fortemente  por eles e por nós. Hoje conquistei a minha identidade surda com muito orgulho, foi ela que me tirou de dentro de um armário, onde eu achava ser feio ser surda. Hoje tenho ORGULHO em falar duas línguas.

Ainda sobre politica publica, eu desenvolvi um projeto de lei na Policia Militar que está em tramitação com o Deputado Major Mecca, na Assembleia Legislativa. Estou torcendo muito pra dar certo, pois com esse projeto temos o da saúde auditiva percorrendo os batalhões de toda São Paulo, com parcerias com grandes empresas no ramo da audição. O projeto “Ouvido Amigo” cresceu e se instala nas Prefeituras cuidando da saúde auditiva das crianças do primeiro ano escolar. Quero fazer mais, quero lutar mais e conhecer mais demandas, sentar, escrever e fazer acontecer...

 

14) Para você a surdocegueira também precisa ser bastante divulgada?

Sim, sem dúvida! Existe muita desinformação na sociedade sobre o tema, eu mesma era uma desinformada. Quero ajudar no que for preciso, usar minhas redes sociais para isso. Tenho estudado bastante, sou exigente com informação, para falar de algo penso que devemos ter propriedade naquilo. É um tema que merece muita atenção da sociedade.

 

15) O que acha da acessibilidade para pessoas com deficências aqui no Brasil? O que precisaria melhorar?

Na minha opinião acessibilidade no Brasil ainda é sonho, talvez mais que sonho. Concordo que tivemos grandes avanços e é utopia acreditar na total acessibilidade com a nossa cultura. Quando pensamos em acessibilidade, logo nos vem a mente sobre TER ACESSO, e aí pensamos em parques, shopping, ônibus, mas a acessibilidade vai além de apenas ter acesso.

Acessibilidade é desafio para pessoas com deficiência em todo o país. Muita coisa ainda precisa ser implantada, muitos conhecimentos a serem difundidos e muito material de comunicação a ser instalado. Ainda não existe no Brasil uma cidade que possa ser apontada como modelo de acessibilidade. Além disso, a fiscalização ainda é muito deficiente, de forma que pouco se cobra em relação ao atendimento da legislação e das normas regulamentares. Eu penso que além do desenvolvimento da cultura de acessibilidade no país, também será necessário desenvolver a conscientização do próprio governo e das autoridades para a devida fiscalização e cobrança.

Esse termo é amplo, eu ainda nem mencionei sobre as barreiras arquitetônicas que são gigantescas, as barreiras comunicacionais de todas as formas, é preciso entender a diversidade surda por exemplo, não é todo surdo que sabe libras, embora eu acredite e luto para que todos saibam, inclusive ouvintes, uma barreira a menos.

Mas a barreira que mais mexe comigo é a barreira atitudinal, que são erguidas muitas vezes por nós mesmos, são fáceis de derrubar, mas trazem impactos e sequelas irreparáveis para as pessoas.

Eu sempre ouço na rua "Você não parece surda". E então eu digo: “Surdo tem que parecer com o quê?” Pelo amor de Deus! Esses preconceitos e criação de esteriótipos precisa acabar, ou ao menos diminuir com muita informação.

 

16) Raquel, qual conselho que você daria pra uma pessoa que acabou de saber que tem a síndrome de Usher?

Calma, estude, procure sem parar sobre casos parecidos com o seu e nunca, nunca se compare! Somos únicos, cada um com sua história de vida, cada um com sua história de luta e por fim cada um com suas características. O importante mesmo é saber, PRIMEIRO EU SOU UMA PESSOA!  Se ame, busque qualidade, se aceite e VIVA!

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