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ENTREVISTAS

09/2021

Regiane Keller Fernandes
Regiane Keller Fernandes

A entrevistada desse mês
é da paulistana de Botucatu,
Regiane, 26 anos.
Ela nos conta como lida
com a síndrome de Usher
no seu dia a dia
com muita força de vontade
e determinação.
Leia mais!

1) Regiane, conte para nós como descobriram que você não estava escutando direito... conte para nós o início da sua surdez

Meu irmão foi o primeiro a desconfiar da minha surdez. Ele me perguntava sobre o que os personagens do desenho animado estavam falando e eu não sabia responder, pois não compreendia a fala deles. Ele percebia também que eu não atendia o chamado de alguém quando procuravam por mim. Colocava os ouvidos no som da televisão para tentar compreender o que as pessoas falavam pela tela. Meus pais achavam que eu estava fazendo birra. Além disso, pronunciava incorretamente muitas palavras e tinha gagueira ao verbalizar algumas.

 

2) Mas a partir de quando que comprovaram a sua surdez?

A partir da desconfiança que meu irmão teve da minha surdez. Ele e meus pais resolveram me levar ao clínico geral e este me encaminhou para a fonoaudiologia. Fiz o teste da audiometria a partir dos meus dois anos e meio de idade e recebi o diagnóstico de surdez neurossensorial bilateral, então meu grau de perda auditiva é moderada a severa. Feito o diagnóstico a fonoaudióloga orientou que eu necessitava fazer o uso dos aparelhos auditivos.

 

3) E ai você começou aparelhos auditivos? Se sim, como foi sua adaptação?

Recebi os aparelhos auditivos aos três anos de idade, comecei a usar aparelho auditivo nos dois ouvidos e desde então passei por todo o processo de aprendizagem da pronunciação das palavras, compreensão e leitura labial. Foi um processo bem difícil, eu não gostava de usar os aparelhos e tinha muita vergonha. As crianças me perguntavam o que era isso no meu ouvido, queriam botar a mão. As pessoas, inclusive meus pais, diziam que eu tinha "problema" e não utilizavam o termo correto, como por exemplo: "ela possui deficiência auditiva" ou "ela não consegue ouvir muito bem e os aparelhos ajudam ela a escutar melhor". Me incomodava o fato de dizer que eu tinha "problema", sem usar a linguagem correta. Isso me fazia sentir que havia algo de errado comigo e que eu era a culpada.

 

4) No periodo escolar então você teve muito preconceito, sofria bullyng por parte dos colegas ou dos professores?

No período escolar, a fonoaudióloga foi até à escola e orientou meus professores sobre a minha surdez e as dificuldades que eu poderia apresentar. Comecei a sentar na primeira carteira para melhor compreender os professores. Eles sempre me questionavam se eu estava entendendo, que eu poderia solicitar sempre que eu não compreendesse algo. Me sentia a vontade pela acessibilidade e inclusão que os professores ofereciam a mim. No entanto, alguns colegas da minha sala de aula, tinham reações adversas que me deixavam desconfortáveis, como por exemplo me apelidarem de "surdinha" e não me chamarem pelo meu nome. Também fiz amizades maravilhosas, de pessoas que respeitavam minhas dificuldades, não se incomodavam de repetir a conversa quando eu não entendia e alguns até me defendiam desses bullying.

 

5) Regiane conte para nós quando você começou a ter dificuldades na visão.

Comecei a ter dificuldades na visão por volta dos meus 17 e 18 anos de idade. Novamente meu irmão desconfiou, pois ele me apontava objetos ou pessoas e eu não conseguia perceber tão rapidamente mais especialmente durante à noite. Olhava para o céu, como sempre amei fazer, para ver as estrelas e eu tinha que ficar um bom tempo com meu olhar fixado para encontrar algumas delas. Comecei a tropeçar mais do que o comum. Meu reflexo foi diminuindo. A noite começou a ser um pesadelo, até que um determinado dia, saindo de um cursinho, resolvi cortar caminho para chegar ao ponto de ônibus mais rápido, e neste caminho não tinha iluminação. Fiquei paralisada e respirei fundo, até que ouvi alguns passos se aproximando de mim. Consegui enxergar algumas pessoas que faziam o mesmo trajeto e segui-as, até que consegui chegar ao destino.

 

6) A partir daí você começou a procurar médicos sobre isto?

Eu demorei para ir atrás de um profissional. Busquei um oftalmologista aos meus 21 anos de idade. Apresentei minha queixa a ele e realizei alguns exames de fundo de olho e ele apresentou uma hipótese diagnóstica de Síndrome de Usher e me orientou a buscar um especialista em retina. Procurei por este especialista pelo convênio aqui na minha cidade, e felizmente o encontrei. Levei a hipótese diagnóstica, juntamente com minhas queixas e novamente fiz mais exames, desta vez mais complexos e sofisticados. Finalmente ele fechou meu diagnóstico com a Síndrome de Usher. Além deste, faço exames de rotina na Unesp, rede pública, e passei por outro especialista em retina que também fechou este diagnóstico.

 

7) Regiane qual foi a sua reação ao saber da retinose pigmentar e ao mesmo tempo a síndrome de Usher?

A reação que tive foi: "que negócio é esse que nunca ouvi falar na minha vida?". Ai comecei a pesquisar sobre o assunto e a buscar grupos e pessoas que tivessem o mesmo diagnóstico para saber como é isso para elas, se porventura seria o mesmo para mim.

 

8) E a sua família e amigos como reagiram? Você costuma falar para as pessoas em sua volta que você tem a síndrome de Usher ou não?
Minha família teve a mesma reação que eu tive inicialmente, um estranhamento deste termo desconhecido por nós. Meu irmão me apoiou de todas as formas, buscou entender este processo juntamente comigo. Contei para os meus pais que ficaram angustiados com a informação, mas me deram suporte. Contei para os meus amigos mais próximos e eles me acolheram. Eu sempre falo para as pessoas que tenho mais vínculo. Quando eu falo da síndrome de Usher com alguém, eu preciso explicar o que é, pois ninguém tem o conhecimento desta síndrome.

 

9) Quando você soube da Síndrome de Usher você passou a fazer algumas adaptações no seu dia a dia, seja na sua casa, no trabalho, na escola?

Quando soube da Síndrome de Usher, eu passei a ter mais cuidado com as minhas rotinas. Na rua, passei a prestar mais atenção nos buracos e lombadas para não tropeçar. Passei a andar mais devagar para conseguir ter uma percepção melhor do meu trajeto, para não tropeçar em ninguém, pois meu campo visual é bem limitado. Passei a andar por ruas mais iluminadas. No trabalho eu peço para as pessoas me cumprimentarem tocando meu ombro ou de frente para mim, pois não enxergo o indivíduo se ele estiver ao meu lado. Quando perco um objeto no chão eu peço ajuda para alguém, pois demoro muito para encontra-lo.

 

10) Você continuou estudando? Se sim, você teve novas dificuldades além daquelas que você já tinha passado na infância?

Continuei estudando. Atualmente sou estudante de Psicologia. Confesso que tive medo de entrar para esta graduação ao questionar se de fato vou conseguir ouvir os pacientes e se eles ficarão bravos quando eu solicitar para repetirem algo que não ouvi. Mas descobri que no fundo, ao não ser compreendida na minha infância e adolescência, desenvolvi uma paixão em poder compreender as pessoas, em emprestar os meus ouvidos e meus aparelhos auditivos para a promoção da saúde mental delas. Felizmente tenho ótimos professores, que assim como na minha infância os antigos eram acessíveis a mim, os atuais também o são. Meus amigos da faculdade sabem das minhas dificuldades e me apoiam neste processo. Claro que, eu tenho muitas dificuldades ainda, mas a cada passo que eu dou, eu me fortaleço e sigo na realização dos meus sonhos.

 

11) Regiane você usa bengala? Chegou a fazer curso de orientação e mobilidade?

Neste momento não preciso fazer o uso de bengala e também não cheguei a fazer o curso de orientação e mobilidade.

 

12) Como está a sua visão hoje? Você toma alguns cuidados na alimentação ou faz uso de suplementos?

Minha visão atualmente está bem limitada, especialmente meu campo visual e minha visão noturna. A visão frontal é a que me salva ainda. Faço uso de dois colírios para tratar o edema, e fiz a aplicação de injeção de corticoide no olho esquerdo. Minha alimentação é balanceada, mas nada específico para o tratamento da retinose.

 

13) Na sua família tem mais casos de pessoas com retinose pigmentar, surdez ou síndrome de Usher?

Na minha família por enquanto, só eu apresento a síndrome de Usher. Meu irmão tem uma perda da audição bem leve no ouvido direito.

 

14) Regiane você acha que você se tornou uma pessoa melhor depois que soube da síndrome de Usher?

Depois da síndrome de Usher eu me inclinei a compreender mais profundamente a singularidade de cada PCD (Pessoa com Deficiência), explorar este universo (que também é o meu) e estudar como essas questões influenciam nossas vidas e as pessoas com quem convivemos.

 

15) Na sua opinião o que é ser uma pessoa com surdocegueira, uma pessoa com síndrome de Usher?

Uma pessoa com surdocegueira, com síndrome de Usher é alguém que possui perda auditiva e visual. Possui dificuldades para ouvir e enxergar. Muitos, para se adaptarem a sociedade e poderem se comunicar com ela, fazem o uso dos aparelhos auditivos, implantes cocleares e/ou língua de sinais. Outros usam lentes e óculos especiais que podem ajudar, mesmo que minimamente a enxergar. Outros usam a bengala ou cão guia para poderem se locomover. Nenhum usheriano é igual. Cada um tem a sua história de vida. Cada um possui sua marca digital, que é única no mundo. Cada um sabe a dor e a delícia de ser quem é.

 

16) Regiane, qual conselho que você dá para uma pessoa que acabou de saber que tem a síndrome de Usher?

Primeiro: Respire... rs. Segundo: se precisar de um tempo antes de compartilhar com alguém, respeite o seu tempo, mas não deixe de dividir isso com um profissional e fazer todo o tratamento. Terceiro: Você não tem culpa de nada disso. Quarto: procure um psicólogo (a), é uma pessoa que vai emprestar os ouvidos e te abraçar com eles junto com o seu processo. Não carregue esse fardo sozinho. Quinto: procure achar um sentido para a sua vida. Qual é o seu sonho? O que te faz sorrir? E lute por eles. Sexto: Você não é a sua Síndrome. Você é alguém que precisará de suporte, mas tenha certeza que dará a volta por cima e sairá fortalecido. Sétimo: Nunca deixe de cuidar de você e de amar você.

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