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ENTREVISTAS COM PROFISSIONAIS 

02/2024

Shirley Rodrigues Maia
SHIRLEY RODRIGUES MAIA

Este ano estamos retornando com a nossa entrevista com profissionais que trabalham com pessoas com Síndrome de Usher e temos a honra de apresentar a entrevista com umas das idealizadoras do Grupo Brasil de Apoio ao Surdocego e ao Múltiplo deficiente sensorial: Shirley Maia.

Conhecida pela sua dedicação sobre educação especial, a paulistana Shirley de 64 anos, nos conta como começou seu trabalho como pedagoga: as perspectivas, os desafios e também as conquistas em relação às pessoas com surdocegueira. 

Confira mais detalhes aqui!

1) Shirley, conta para nós como começou o seu trabalho com pessoas com surdocegueira e porque você trilhou este caminho.

Comecei o trabalho com surdocegueira em 1983. Eu estava terminando o curso na universidade em 1979, estávamos realizando um encontro sobre surdez na universidade FMU, apresentaram um filme denominado “Estranho sorriso”, um filme de curta-metragem que ganhou um prêmio no festival de Gramado. O filme contava toda história das pessoas com surdocegueira e foi ali que eu conheci a Chica e também outros alunos surdocegos da Escola Anne Sullivan de São Caetano do Sul. Depois que assisti este filme, senti uma vontade muito grande de trabalhar coma pessoa surdocega. Então, terminando a universidade, eu fui chamada, fui para uma entrevista e consegui o emprego. Comecei como professora em fevereiro de 1983 e decidi que eu queria fazer isso porque eu achei muito importante a questão da comunicação e a informação para pessoa com deficiência, em especial a surdocega.

Foi nesse período que eu comecei, em 1983. Fiquei na Anne Sullivan (SP) mais ou menos até abril de 1991. E fundamos a Ahimsa em 1991, no dia 4 de março. Então resolvemos ampliar os serviços para São Paulo. E assim começamos todo o trabalho na área da surdocegueira. E com o Grupo Brasil, na organização com pais, familiares, pessoas surdocegas e profissionais envolvidos na área, ele começou em 1997, sendo oficializado em 1999. Todo o trabalho foi se expandindo para todo Brasil, na área da surdocegueira.

 

2) Shirley poderia contar mais sobre a criação do grupo Brasil? Foi iniciativa sua e mais de algum grupo?

A iniciativa da criação do Grupo Brasil foram dos profissionais da Ahimsa. Na época, fizemos uma visita na Holanda e também na Inglaterra, que estava eu, a Regina, que é falecida, assistente social, a Vula e a Marcela, que eram representantes da Ahimsa e Grupo Brasil futuramente. E nós fizemos uma reunião com as famílias e profissionais que eram do curso do Paraná que a Ahimsa participava. Chamamos e convidamos o pessoal da Secretaria Estadual da Educação, o pessoal da ADEFAV, o pessoal do Anne Sullivan e também da Santa Casa. E vieram os profissionais que fizeram curso da Sense no Paraná, representantes do Mato Grosso do Sul e de Minas Gerais também, e do Rio de Janeiro, para que a gente pudesse se organizar e unirem. Então, na verdade, quem tomou sempre a frente foram os profissionais da Ahimsa e das familias. E aí vieram também os surdocegos que estavam se organizando, ainda não existia a ABRASC. A ABRASC foi criada em 1998, mas tinha a Cláudia Sofia que participava desse trabalho e nós a chamamos e organizamos o trabalho que a gente tinha junto principalmente a um instituto lá que era do Paraná, que era a Centrau. Então foi, na verdade, essa organização maior, a Ahimsa e Centrau, porque a gente tinha o projeto e a parceria com a Sense, que começou. E em 1999 oficializou o grupo Brasil, aí tiveram algumas instituições que não permaneceram mais junto, porque não queriam perder a sua identidade e nesse sentido o Grupo Brasil foi crescendo com outras participações.

 

3) E como surgiram os primeiros alunos?

Nós conseguimos atender, inicialmente, no atendimento domiciliar. Então, a gente estava funcionando na casa de um amigo, para as reuniões, as ações, e aí a gente conseguiu começar o trabalho. Então, na verdade, a gente começou em 91, a Ahimsa, com quatro alunos, três eram domiciliares e um a gente atendia nesse lugar. Duas vezes por semana. Em 1992, nós mudamos, conseguimos apoio financeiramente de amigos pessoais e a gente alugou uma casa e conseguimos começar um serviço mais amplo. Então, a gente atendia na parte da manhã, porque à tarde a gente trabalhava, que eram os professores, trabalhava no Helen Keller. E a gente começou a atender 12 alunos. E assim foi aumentando sucessivamente até hoje, nos dias que a gente tem aqui o atendimento. O grupo Brasil, na verdade, começou inicialmente somente com ações, então não havia atendimento. A gente começou com atendimento de pessoas, principalmente jovens e adultos que estavam fora dos serviços educacionais em 2005, quando a gente teve apoio, na verdade, de 2004 até mais ou menos 2008, 2009, da Sense Internacional. Então, aí sim, a gente começou a atender os jovens e adultos trabalhando junto, com o pessoal da ABRASC, que é a ABRASPACEM, no atendimento às famílias e no atendimento em si, com as oficinas, que a gente também conseguiu o apoio para começar a realizar com essa verba que veio da Inglaterra.

 

4) E como foi seu primeiro contato com uma pessoa com síndrome de Usher? Como foi o seu trabalho com estas pessoas?

As primeiras pessoas que eu conheci com síndrome de Usher foi a Claudio Sofia, Carlos Jorge e mais dois alunos da Sense lá do Paraná. Nós tivemos aí, depois disso, eu fui em 97 para a Espanha, onde eu fiz um encontro internacional sobre síndrome de Usher, com a Mary Guest, que era da Inglaterra, que estava organizando os grupos de estudos da Europa. E assim a gente teve a ideia de planejar e tentar organizar com a Sense um grupo de estudos aqui no Brasil. Então, em 2001, com o apoio da Sense, nós trouxemos a Mary Guest, no Rio de Janeiro, no Instituto INES, e a gente criou o primeiro Simpósio Internacional da Síndrome de Usher, com várias pessoas de diferentes partes do Brasil e com a população do sul da Inglaterra.

 

5) Shirley para você qual foi o seu maior desafio em trabalhar com pessoas com surdocegueira, inclusive para pessoas com síndrome de Usher?

Eu acho que o maior desafio de trabalho foi realmente a gente ter os profissionais para fazer o trabalho. Hoje, graças a Deus, a gente já tem a doutora Juliana Sallum,  voluntária e com organização dos serviços para o atendimento por meio do departamento da retina, das questões sobre síndrome de Usher. Então, isso foi dando suporte para gente poder trabalhar. Mas o mais difícil era conseguir realmente o apoio, as consultas, as medicações. E hoje a gente ainda enfrenta isso na área da surdocegueira, não só para Usher, mas também para CHARGE e outras síndromes raras e também para os congênitos que são prematuros. Então, acho que um desafio é ter serviços e ter acompanhamentos periódicos no sentido das pessoas conseguirem ter o direito e o tratamento.

 

6) E hoje, quais são as perspectivas que o Grupo Brasil, Ahimsa e a ADEFAV tem em relação às pessoas com surdocegueira?

A nossa perspectiva é que a gente consiga ter mais trabalho, a gente consiga ter uma expansão maior em todo o Brasil, ter o atendimento que eles merecem, principalmente na questão de saúde, de acompanhamentos. E a gente também espera que em outros Estados ou municípios também tenham serviços de qualidade e que realmente respondam que a legislação que hoje traz direitos às pessoas com deficiência. Eu acho que essas são nossas perspectivas e que a gente fica muito feliz que muitos dos serviços hoje já se organizam, participam de conselhos e que possa continuar também. A ADEFAV em si, ela participou inicialmente do Grupo Brasil, mas depois se retirou e só foi retornar agora, quando a gente está junto novamente nas atividades, organizando as questões da entidade. A ADEFAV, na verdade, participou inicialmente com o apoio, principalmente a Claudia Sofia, a constituição inicial da ABRASC, mas depois tudo ficou no Grupo Brasil, ficou uma coisa menor, e elas tiveram um trabalho de formação de profissionais junto a Perkins, mas aí profissionais para lidar com a surdocegueira congênita.

 

7) De modo geral, como você vê as políticas públicas em relação às pessoas com surdocegueira?

Acredito que muitas coisas já têm sido organizadas, tem sido feitas, mas na verdade a gente percebe que ainda se faz necessário o cumprimento da lei, então a gente tem toda a questão do guia-intérprete, mas falta formação para o guia-intérprete para poder ter, as escolas receber e o que a gente precisa hoje é ter a formação também dos instrutores mediadores. Então as políticas públicas, elas não existem, mas ainda a gente está precisando colocar em execução e principalmente nas questões relacionadas à questão da educação, da saúde e até mesmo ao trabalho.

 

8) Shirley, aqui falamos dos desafios, mas fale para nós também sobre as conquistas.

Foram várias conquistas, né? Eu acredito que os surdocegos estarem na universidade, os surdocegos estarem nos conselhos, os surdocegos se organizando como vocês que se organizam agora para a questão da síndrome de Usher, essa organização dos seminários, né?  Então acho que foram várias conquistas, né? As famílias tentando se empoderar cada vez mais, o empoderamento das pessoas com o surdocegueira. Eu acho que isso também foram as conquistas maiores.

 

9) Shirley, depois que você se engajou no mundo de pessoas com surdocegueira, você se sente que se tornou uma pessoa melhor?

Eu acredito que o que me deixa ser uma pessoa melhor é que tento fazer as coisas que foram os ensinamentos do meu pai e da minha mãe, no sentido de dignidade com relação às pessoas. O respeito da gente estar no mundo para ajudar o outro. Então, na verdade, estar com as pessoas com surdocegueira complementa esses ensinamentos que eu tive de meu pai e da minha mãe. Eu acho que isso são valores de família e acreditar que todo ser humano consegue realizar ações e que eles precisam de oportunidade nesse sentido.

 

10) Shirley, você tem uma mensagem para deixar para todas as pessoas que estão lendo esta entrevista, falar para elas sobre a surdocegueira e principalmente sobre a síndrome de Usher?

Gostaria muito de deixar um recado, que é muito importante: as pessoas com síndrome de Usher são pessoas que precisam inicialmente de apoio emocional, porque não é fácil você lidar com uma identidade e depois você descobre uma nova identidade. E principalmente na questão do apoio. as descobertas que são necessárias e você se reinventar enquanto pessoa usando outros sistemas de comunicação, até mesmo usando outros sistemas de canais sensoriais para estar no mundo. Então, que possam ter mais pessoas que se envolvam, que conheçam e queiram estar junto para esse trabalho e também apoiando as necessidades da pessoa com Usher.

Acho importante também que as pessoas possam apoiar todo o evento de Usher que vocês organizam, que você realmente tem organizado com muito carinho, isso é muito bom, né? Então eu gostaria de falar é realmente que continuem com força, com fé e com toda a coragem que vocês têm de mostrar as possibilidades das pessoas com Usher.

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