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ENTREVISTAS

07/2023

Carlos José Ferreira Pinto
Carlos José Ferreira Pinto

Neste mês de julho,
a entrevista é com o português Carlos Pinto, que dentro de poucos dias fará 48 anos.
É natural do Concelho de Santa Maria da Feira, distrito de Aveiro, localizado a sul

da cidade do Porto, em Portugal.
Carlos relata sobre

sua síndrome de Usher

e como ele lida com isso
no dia a dia.

Confira nossa segunda
entrevista internacional!

1) Conte-nos como descobriu a sua surdez. Qual é o grau da sua perda auditiva?

No ensino primário, quando tinha cerca de 4 a 5 anos, minha professora desconfiou pelo fato de falar muito pouco e com alguma dificuldade na aprendizagem, alertou os meus pais para a suspeita de ter um problema de audição. Eu fui consultado por um médico de otorrinolaringologia, fiz exame audiométrico e foi aí que confirmaram que possuia uma perda auditiva com cerca de 30% a nível de frequências agudas e médias. Perda neurosensorial bilateral, sem hipótese de recorrer a cirurgia e, foi-me aconselhado o uso de próteses auditivas.

 

2) Você usa aparelhos auditivos? Como foi sua adaptação em relação à surdez?

Enquanto menino, rejeitei os aparelhos auditivos pois eram desconfortáveis, “apitavam” muito e durante muito pouco tempo os usei.

Passei o ensino todo até ao secundário, sem recorrer a aparelhos auditivos. Com atitude assertiva dirigia-me aos professores sobre o fato de ouvir mal e colocava-me sempre no lugar da frente nas salas de aulas.

Eu sempre fui muito inteligente, ativo e “perspicaz” pois, muitas vezes bastava assistir nas aulas e tinha boa capacidade de reter informação e assimilar os conteúdos para responder nos exames… 

Aprendi piano desde os meus 8 anos e, cantava no grupo coral, tocava violão em grupo folclórico e depois aprendi acordeão e concertina… montava computadores com peças usadas de outros velhos… isto para provar que, era muito curioso, polivalente, ativo e participativo com as pessoas e, muitas vezes até falava alto e fui prosseguindo a minha adolescência de uma forma muito confortável.

 

3) Carlos, conte-nos como descobriu a retinite pigmentosa.

Quando eu tinha cerca de 15 anos, comecei a participar, no período de férias escolares, em intercâmbios internacionais de jovens músicos e, nos períodos de baixa luz (noite, campismo, bares ou salões de eventos), comecei a perceber que tinha dificuldade em acompanhar os meus colegas. Foi o momento onde me senti “realmente” desiludido pois já me bastava o escutar mal. E lidar com a perda de dois sentidos, foi o inicio de uma série de desapontamentos e por vezes optava por não comparecer em eventos ou até sair do conforto da casa. Ir a um barzinho com amigos, era algo que me criava muita complexidade.

Após cirurgia ás cataratas em ambos os olhos, fiquei pior pois a luz solar forte incomoda a minha visibilidade e, tenho de recorrer “mesmo” á guia em locais onde existe muita circulação de pessoas e/ou visitar locais que não conheço.

 

4) Carlos, mas conseguiu passar por um especialista em retina? Foi este especialista que lhe diagnosticou retinite pigmentosa?

Eu tive acompanhamento com a especialidade de oftalmologia no Hospital de Santa Maria da Feira. Onde fui operado às cataratas, onde tem uma equipe com aparelhos que tiram fotos ao globo ocular, ver qual o campo visual e fazem questão de ser a melhor instituição com capacidade de estudo e pesquisa na área pois, teem novos especialistas recém formados a estagiar numa vasta equipe. Tem médico especialista em retina e foi aí que me diagnosticaram a doença de retinose pigmentar.

 

5) Como descobriu que tem síndrome de Usher?

Quando terminei o secundário, ainda trabalhei durante 7 anos numa empresa onde havia algum ruido de equipamentos. Quando fui trabalhar como bancário, em serviços financeiros administrativos, aí sim… tive de recorrer a próteses auditivas e, nesse momento, as especialidades oftalmologia e otorrino em simultãneo no centro hospitalar de Santa Maria da Feira, falaram na retinose pigmentar e o fato de estar associado ao problema auditivo.

 

6) Fez o teste genético? Se sim, qual é o seu tipo e gene?

Apenas em 2021 é que  fiz o teste genético, ao fim de 46 anos e depois de estar já em “aposentadoria”, depois de trabalhar durante 22 anos. O tipo é o USH2A (MIM276901) com hereditariedade autossomica recessiva.

 

7) Qual foi a sua reação ao saber que você tem Síndrome de Usher?

A minha reação foi de aceitação, pois eu já estava convencido dessa minha condição há muitos anos. Após operação ás cataratas, é que foi devastador pois a diferença foi evidente. Antes ainda ia fazendo o dia a dia e a dificuldade era mais á noite. Uma depressão, isolamento foi o que acabei por ter ao perceber que iria estar ainda mais limitado.

 

8) Após o diagnóstico de Síndrome de Usher, você precisou adaptar sua vida, mudar algumas rotinas do seu dia a dia?

Sim, o uso da guia com cores vermelha e branca e, faço questão de informar quem me aborda sobre o seu significado. Quando não levo a guia, por vezes tenho de pedir um “ombro” para me orientar, quando vou acompanhado de familiar ou amigos.

 

9) Carlos, você ainda toca seus instrumentos musicais?

Sim, eu como tenho os instrumentos em casa, por vezes para passar tempo eu toco. Guitarra ou o piano ou até mesmo acordeão... Costumo dizer que é como andar de bicicleta... Depois de aprender não se esquece e, treino de vez em quando para não perder a elasticidade dos dedos também.

 

10) Você tem conselhos para aqueles que estão relutantes em estudar música, mesmo sendo uma pessoa com síndrome de Usher?

Nunca é tarde para aprender algo se realmente amamos aquilo que queremos saber. Na música, é mais difícil para quem tem problemas de audição, não é impossível.

Assim como aprender uma nova língua ou até aprender a pintar... É evidente que uma pessoa que não vê nada mesmo... Não consegue aprender a pintar, já no caso da baixa visão... Não é impossível também...

Eu tenho baixa visão e sei usar desenho técnico em computador e com as ferramentas adequadas, é mais fácil que desenhar á mão. 

Ou seja, temos de ser resilientes, ter a capacidade de poder "aceitar" a nossa condição e não se deixar abater, acomodar ou desistir. De ser o melhor que cada um tem... O talento... A vontade...  "Nada é impossível, até que seja feito..."(Nelson Mandela)

 

11) Carlos fala-nos sobre a acessibilidade para pessoas com deficiência em Portugal.

Em Portugal, a legislação contempla e protege de uma forma activa as pessoas com deficiência. Quer em optimizar os novos espaços arquitetónicos e acessos, com prioridade em atendimento por exemplo.

Tem de possuir o comprovativo com a percentagem atribuida pelo coletivo de médicos que analiza a capacidade de cada um. O Atestado Multiúsos, como chamamos em Portugal permite descontos em transportes, telecomunicações, internet e outros benefícios fiscais como isenção em compra de viatura nova, isenção em pagamento de imposto automóvel, juros bonificados em empréstimos para habitação, etc…

 

12) Existe acessibilidade em relação às pessoas com surdocegueira? Em caso afirmativo, diga-nos como é feito este trabalho.

Não há ainda nessa circunstância, ou associações de surdos… ou associações de cegos… Eu próprio entrei acidentalmente num programa de Recuperação e Actualização de Competências (RAC), em um centro de Reabilitação profissional de Gaia (Porto), em que era direcionado para pessoas que, ou por acidente de trabalho ou, por doença ficaram impedidas de continuar a sua profissão. Acompanhados por psicólogos e técnicos de emprego, tentam inserir no meio laboral de uma forma mais específica. As Empresas benefeciam ao aceitar pessoas com deficiencia através de benefícios fiscais.

 

13) Carlos, você se tornou uma pessoa melhor depois que descobriu a Síndrome de Usher?

Eu acho que me tornei mais “social”, com mais interesse em interagir com pessoas o mais possível… ao invés de estar dentro de um gabinete a trabalhar com documentos, PCs… creio ser a melhor forma de ter mais contato com as pessoas e sentir-me mais útil.

 

14) Que conselho dá às pessoas que acabaram de descobrir que têm Síndrome de Usher?

Eu aconselho a viver o dia a dia como se fosse o último… afinal essa é uma realidade comum a todos… deficientes ou não…

Ser resiliente e saber que conseguimos, enquanto deficientes ultrapassar as barreiras deve ser considerado uma META.

De nada vale se deixar abater e desistir… as dificuldades são maiores para nós… é verdade mas temos de acreditar que podemos ser melhores e até dar o exemplo a pessoas que apenas desistem por coisas “insignificantes”.

Ser Feliz e viver acreditando que um dia até a própria ciência evolui em prol das nossas dificuldades… até lá…

Não desistir e viver procurando a felicidade com esperança de um futuro melhor.

Para quem quiser ver o testemunho em vídeo que Carlos Pinto deu ao Centro de Reabilitação de Gaia (CRPG) clique neste link

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