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COM SÍNDROME DE USHER
E A SEUS FAMILIARES, PROFISSIONAIS E AMIGOS
ENTREVISTAS
09/2023
José Jorge Siqueira
Jorge, 54 anos,
nasceu na cidade de Catanduva (SP) e hoje reside em São José
do Rio Preto (SP).
Nesta entrevista ele nos conta sua trajetória como uma pessoa com Síndrome de Usher,
sobre a surdez, a retinose pigmentar, o uso da bengala,
seu trabalho na rádio e muito mais! Confira!
1) Jorge, conte para nós como descobriram a sua surdez.
A surdez começou desde quando eu era pequeno, desde que eu nasci... As pessoas falavam e eu não entendia, tocava música no rádio e eu não escutava nada, assim como o canto dos passarinhos também não escutava nada... Então minha mãe foi percebendo isso e me levou no otorrino que constatou a surdez e me indicou usar aparelhos auditivos. Mas eu não conseguia usar as próteses, não gostava, me irritava muito, eu não aceitava mesmo. E só depois de adulto, com 33 anos de idade, que a audição piorou muito, eu comecei usar aos poucos, os aparelhos auditivos.
2) No começo, como foi a sua adaptação com os aparelhos auditivos?
Foi muito difícil... eu colocava e logo depois tirava... Eu não tinha paciência, por causa do som alto, me irritava muito... Mas tive que usar aos poucos. Fui adaptar mesmo, depois de muitos anos, viu? Eu acabei acostumando, parei de colocar e tirar toda hora... Hoje acostumei tanto que até esqueço de tirar para dormir e até já tomei banho com eles... rs Hoje, graças a Deus, eu não fico sem eles.
3) E quanto à visão? Quando você começou a ter problemas visuais?
Bem... desde pequeno eu esbarrava nas coisas e nas pessoas, eu caía também com muita frequência. Na infância, todos pensavam que eu era peraltinha e por isto que eu era assim tão estabanado... rs
Quando fui para escola, eu continuava do mesmo jeito e aí que perceberam que eu tinha problemas visuais e pediram para consultar com oftalmologistas. Depois disto, comecei usar óculos por causa do astigmatismo e miopia, mas não resolveu nada o meu problema... Fui em vários oftalmologistas e todos me receitavam apenas mudança de graus dos óculos e isso foi até os meus 33 anos de idade. Minha visão piorou muito e eu não enxergava muito à noite também e o pessoal no trabalho percebeu as minhas dificuldades visuais, me ajudaram passar em um médico especialista em retina e foi aí que descobri que tenho retinose pigmentar.
4) E qual foi a sua reação ao saber que era retinose pigmentar?
Não foi das melhores, viu? Eu fiquei apavorado quando o médico foi direto comigo, ele disse para mim: “É uma doença que que não tem cura, não tem tratamento e a tendência é agravar, piorar até chegar a cegueira total...”. Esse médico falou a verdade, mas foi muito direto, não mediu as palavras... Aí eu me desesperei sim, fiquei angustiado e triste. Tive depressão...
Mas um dia as coisas mudaram... Uma vez, eu fui pagar uma conta de água e eu tropecei no pé de uma senhora que estava sentada, pedi desculpas e ficou tudo bem. Mas ela percebendo o meu problema visual, perguntou se eu tinha retinose pigmentar e eu disse que sim! Fiquei até surpreso com isto, porque pouca gente conhece esta condição. E foi aí que ela me disse que a filha dela também tem retinose pigmentar e me indicou uma instituição para fazer reabilitação visual. Eu fui lá para ver como funcionava... No começo foi muito difícil, pois na época eu chegava na instituição de moto e na verdade, precisava usar bengala... rs. Era contraditório.
5) Mas quando você recebeu o diagnóstico da síndrome de Usher?
Olha... foi um oftalmologista que passei no SUS, que quando soube da minha surdez e a retinose pigmentar já associou com a Síndrome de Usher. Ele até colocou no laudo. Então fiquei sabendo disto depois de muitos anos que soube da RP. Hoje tenho até RG com registro de surdocegueira, que é surdez e cegueira parcial e total.
6) Mas você chegou fazer o teste genético?
Sim fiz. Passei com a dra Mariana e o meu tipo deu Usher2A.
7) Tem mais casos de síndrome de Usher na sua família? Mais tem pessoas com retinose pigmentar ou surdez?
Todos meus irmãos são perfeitos, não tem problemas de audição e nem de visão, graças a Deus! Minha mãe também não tinha problemas e meu pai acredito que também não tenha, porque não cheguei a conhecer. Na família da minha mãe tem descendência de portugueses e me disseram que minha bisavó, a mãe da minha avó, ficou cega por 35 anos. Provavelmente, eu herdei dela...
8) Jorge e como está a sua visão hoje?
Hoje em um olho estou com perda total e o outro olho é perda parcial... Está complicado: não enxergo mais o rosto das pessoas, a cor de roupa, fotografia... Aqui no celular, quando tem foto, eu peço para outras pessoas olharem para mim como minha irmã, meus sobrinhos. Tenho 3 sobrinhos lindos, maravilhosos que me ajudam muito.
Minha visão piorou mesmo depois que fiz a cirurgia da catarata: fiz naquele mutirão programado pelo SUS, tinha umas 20 pessoas para fazer a cirurgia neste dia e então, como não tinha condições de pagar a cirurgia, eu aceitei fazer. Mas não foi bom porque eles não conheciam muito sobre a retinose pigmentar... O certo era operar com retinólogo. Quanto ao olho direito ainda enxergo vultos, tenho uma grande catarata que precisa tirar, mas estou sem coragem no momento.
9) Jorge, você continua frequentando esta instituição que te orientaram? Conte para nós, como é o trabalho deles.
Sim, continuo! Já fazem 18 anos que eu frequento o Centro de Reabilitação Visual - Instituto dos Cegos de Rio Preto (CRV). Lá eu aprendi muita coisa, viu? Aprendi a conviver com várias pessoas surdocegas e muitas tem síndrome de Usher. Tem mais de 200 alunos, tem bastante crianças. Foi lá que tive aulas de reabilitação visual: aprendi usar a bengala e ter noção de braile. A entidade ensina música, artesanato, aulas de computação e também tem academia, baile, etc... Foi onde aprendi usar celular e seus aplicativos. Antes eu ia todos os dias, agora eu vou só de quarta e sexta-feira, mas eu aprendi praticamente tudo. Além disso, tem também atendimento fisioterapêutico, psicológico e assistência social.
10) Jorge, conte para nós como foi a sua adaptação com o uso da bengala.
Regiane que era a responsável pela instituição na época que comecei por lá, me ensinou a usar a bengala e tudo sobre orientação e mobilidade. Me ajudou a guiar nas ruas e calçadas e outras coisas importantes como checar o local, fazer mapeamento mental e usar o nosso olfato também. Eu usava a bengala comum e hoje uso a bengala branca e vermelha, que é a cor da bengala do surdocego, eu uso aquela longa mesmo, porque quando eu vou bater no muro, tem lixeira no muro ou outras coisas, aí eu me guio de boa. Acho que me oriento melhor que muita gente normal que anda com celular na mão e não vê por onde anda... rs Com a minha bengala, eu sei trocar elástico e os gomos quando estão desgatados. Eu já me adaptei bem com ela. Antes eu tinha vergonha, não gostava de usar, mas hoje superei isto e não fico sem ela. Uso dentro de casa, para pegar ônibus, para andar na rua, ir na casa de amigos e família, etc... Não fico sem a minha bengala Gerusa... rs
11) Atualmente você pratica alguma atividades? Você tem outro trabalho de entretenimento?
Eu pratico artesanato que gosto muito! Além disso, anos atrás, eu trabalhava na rádio aqui na cidade. Na época, nosso grupo fez muito sucesso, e todos nós 3 éramos aposentados, e por isto que o grupo foi batizado como Trio Parado Duro... rs Trabalhamos lá, como voluntários por 20 anos, mas eu amava muito. Eu não sou locutor, mas ia lá para contar piadas para animar as pessoas, era muito divertido. Paramos porque um deles estava com problema familiares e resolveu dar um tempo. Estamos com uma proposta de retornar e estou ansioso para voltar.
12) Aqui nesta entrevista, você disse que aprendeu usar aplicativos para celular. Você poderia dar dicas para nós sobre essa acessibilidade e o que ele poderia ajudar uma pessoa surdocega?
O aplicativo que eu uso é o comando de voz que é o Talkback que já vem configurado em todos os celulares androids. Você vai nas configurações, acessibilidade e clica Talkback e permitir que o programa diga em voz. O único problema do Talkbak é na hora que você vai mandar mensagem, ele diz: “navegar para cima”, então quem recebe o áudio tem que ter paciência para ouvir isto... rs Mas ajuda muito viu?
Existe um outro programa que ajuda também que chama Screen Reader. Neste programa, por exemplo se tiver lá, 3 áudio, ele lê tudo e dita em voz alta mesmo sem estar online.
13) Jorge, você acha que você se tornou uma pessoa melhor depois que descobriu que tem a síndrome de Usher?
Com certeza! Depois que eu soube que a síndrome de Usher é incurável, eu vi que teria que aceitar a escuridão na minha vida... Não poderia ver mais as flores, as cachoeiras, os beija-flores... mas tudo é uma questão de aceitar. Eu me tornei um ser humano melhor sim, porque eu aprendi a ver a vida com “outros olhos” não com os olhos da face, mas com os olhos da mente. Se a gente tem a mente boa, a gente vai aonde quer, a gente faz o que quer. É só ter força de vontade. Por exemplo, eu aprendi cozinhar, eu faço meu doce de abóbora com coco e leite quando eu quero cozinhar, faço arroz e feijão, a minha salada de folhas que eu gosto... Eu lavo minhas próprias roupa e cuido a minha casa. Eu vivo do meu jeito, me viro... E eu aprendi tudo isto depois que me tornei cego total e posso dizer que hoje estou melhor, graças a Deus.
14) Jorge, qual conselho que você dá para as pessoas que acabaram de descobrir que tem síndrome de Usher? Qual mensagem que você tem pra dar para elas?
A mensagem que eu deixo para as pessoas que acabaram de saber que tem a Usher é que nunca sofra antecipadamente, não se desespere porque em primeiro lugar temos que encarar, temos que aceitar. A gente não veio aqui na vida por acaso... A gente veio para cumprir uma missão, então o que acontece? Deus te deu dois ombros: se a cruz estiver pesada para carregar em um ombro, coloque no outro ombro quando estiver cansado... e assim vai alternando, mas não desista! A gente vê casos de pessoas que passam por situações muitos piores que o nosso, tem muito mais dificuldades, então não desista. Viva a vida como ela é, aproveite cada momento: cante, dance, compre um perfume ou uma roupa que gosta... Aproveite e vá ser feliz!
Para saber mais sobre o CRV - CENTRO DE REABILITAÇÃO VISUAL da cidade de São José do Rio Preto:
Endereço: Rua Dr. Cléo Oliveiro Roma, 200. Bairro: Jardim Morumbi, SÃO JOSE DO RIO PRETO / SP. CEP 15.090-230
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