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ENTREVISTAS

02/2021

Rosa Maria Martins
Rosa Maria Martins

Rosinha, 57 anos,
nasceu no Bairro do Ipiranga em São Paulo e mais tarde,
mudou-se para Guarulhos.
Casada com Paulo Sérgio com quem tem um filho, um casal de enteados e dois netos.

Ela nos conta como descobriu  a retinose pigmentar
e a síndrome de Usher.
Nos conta também sobre a ADEVIG de Guarulhos.
Confira!

1) Rosinha conta para nós como descobriram que você tinha problemas de audição.

Meus pais perceberam que por volta dos meus 6 anos, eu ficava grudada na saída do som da televisão para poder ouvir. Como isso foi se repetindo eles resolveram me levar ao médico. Ele pediu uma audiometria e aos 7 anos fui diagnosticada com perda auditiva, que na época o médico não sabia se a causa era genética ou não e também não associou com nenhuma síndrome, apenas que era causada por problemas no nervo auditivo.

 

2) Mas a partir daí você começou a usar aparelhos auditivos?

Não, não comecei não. Me lembro bem que meu pai teve uma conversa comigo falando da possibilidade de usar aparelhos, mas eu não gostei nadinha da ideia... rs... Então com o alto custo dos aparelhos, a minha recusa em usar e com uma grande probabilidade de eu não consegui me adaptar esta ideia foi abortada... A cada início de ano letivo minha mãe ia na escola falar da minha dificuldade com os professores e pedia para me colocarem nas carteiras da frente. E quando cheguei no ensino médio e na faculdade eu mesma fazia isso por conta própria... O ponto negativo foi que eu interagia pouco com as pessoas, pois ficava mais quieta para poder entender o que elas falavam. Quando conheci meu marido, ele achou que eu deveria fazer um teste... Fomos atrás e através do Fundo Social conseguimos meu primeiro aparelho. Só um! Um porque só me adaptei com o lado direito. Eu estava com 32 anos.

 

3) Então, até hoje você usa só um aparelho?

Eu fiquei até 2009 usando somente um aparelho. Na época consegui um encaminhamento para Santa Casa de São Paulo e aí o pessoal de lá ao fazer as avaliações achou que eu deveria fazer um teste usando os 2 aparelhos. Fiquei por um tempo testando. A princípio foi muito difícil porque com 2 aparelhos, o som, principalmente na rua, o barulho dos carros me incomodava muito. Então levei cerca de 4 meses para me adaptar e em 2010 recebi dois novos aparelhos que são trocados a cada 5 anos.

 

4) Rosinha, qual conselho que você dá para as pessoas que relutam em usar aparelhos auditivos?

Eu aconselho a avaliar e pesar principalmente o ganho que elas terão com o uso dos aparelhos... Eu digo que a necessidade deve ter prioridade sobre a vaidade, principalmente para as mulheres que tem a questão estética como fator de reluta muito grande. O ganho que elas terão na qualidade de vida em poder ouvir e reconhecer todos os sons, entender o que as pessoas estão falando e com isso se relacionar melhor com elas e com o mundo... ah isso é incomparável!

 

5) Rosinha, conte para nós como você descobriu seus problemas visuais.

Assim que meu filho nasceu (estava com 30 anos) eu comecei a perceber... Eu andava pela rua esbarrava com as pessoas, não percebia que elas passavam do meu lado. Por volta dos 6 meses de vida do meu filho, eu brincando com ele, percebia que eu jogava uma bolinha para ele e quando ele me devolvia, eu não via para onde a bolinha ia... Então eu achei que deveria procurar um oftalmologista. Marquei a consulta e já nessa primeira consulta, ele avaliando o fundo do meu olho, observou que havia uma alteração e me pediu um campo visual. Quando levei para o médico avaliar, ele me deu o diagnóstico da retinose pigmentar.

Naquele momento que me informou o diagnóstico, o médico não soube dizer exatamente como seria a evolução da doença porque até então, eu nunca tinha escutado falar sobre retinose pigmentar. Ele me explicou e disse: “Eu não sei se a evolução vai ser lenta ou se você pode acordar daqui alguns dias e não estar mais enxergando...”. Isso foi um choque muito grande para mim e aí começou a fase da negação.

 

6) Antes da gravidez você não sentia nenhuma dificuldade para enxergar?

Aos 15 anos eu fui no oftalmo e ele me recomendou óculos para astigmatismo. Então eu fui usando até a idade adulta, porque depois eu fiz faculdade de desenho industrial e usava muito a visão. Eram consultas de rotina e até então nenhum médico havia percebido alguma alteração no fundo do olho. Esse médico que me deu o diagnóstico, comentou que uns quatro anos antes, já era possível ter detectado a retinose pigmentar... mas a única coisa que eu me recordo de ter percebido, uns dois anos antes do diagnóstico, é que quando eu dirigia à noite, o brilho dos faróis dos carros que trafegavam em sentido contrário, era excessivo... Isso me incomodava muito e dificultava enxergar na minha frente.

 

7) Depois do diagnóstico você teve mais filhos?

Então o meu diagnóstico da retinose pigmentar foi depois do nascimento do meu filho. E o meu médico disse que com a gravidez a manifestação da doença se deu por conta das alterações hormonais que ocorrem durante o período de gravidez. Portanto, eu não tive mais filhos, embora tivesse uma vontade e desejo muito grande de tentar ter mais filhos, gostaria de ter tido uma menina também... A partir daí eu comecei uma busca desenfreada por vários médicos na tentativa de que eles me dissessem que aquele diagnóstico estava errado. Eles sempre diziam a mesma coisa: que eu não tivesse outra gravidez porque a cada gravidez poderia avançar muito mais rapidamente a evolução da retinose pigmentar.

 

8) Então depois de saber da retinose pigmentar, você ficou sabendo que era síndrome de Usher? Quem te deu esse diagnóstico?

Uns dos médicos pelos quais eu passei em consulta, me deu um encaminhamento para Escola Paulista de Medicina (São Paulo) e lá eu comecei a fazer um acompanhamento com a equipe da doutora Márcia Spessoto e depois de algumas avaliações eles concluíram que eu tinha realmente a síndrome de Usher.

 

9) Na sua família tem mais casos de síndrome de Usher? Ou que tenha casos de surdez ou de retinose pigmentar?

Em relação à antepassados até hoje não tem conhecimento de ninguém que tenha tido diagnóstico de síndrome de Usher ou que tivesse apresentado alguns sintomas... Embora eu tenho uma prima mais nova do que eu, do lado materno que se manifestou perda auditiva também na infância. Mas no caso dela é uma perda unilateral, apenas de um ouvido. Até agora não teve nenhuma relação com retinose pigmentar, não apresentou nenhuma alteração de retina. Para eu tirar minhas dúvidas, eu também levei meu filho várias vezes ao oftalmologista, para fazer avaliação e até hoje não teve nenhuma alteração na retina. Até meus pais chegaram a ir comigo também na Escola Paulista de Medicina para serem avaliados.

 

10) Você já tinha ouvido falar da síndrome de Usher antes? Qual foi a sua reação ao saber dessa síndrome?

Eu tive diagnóstico em 1994 pela Escola Paulista de Medicina e até então eu nunca tinha escutado falar sobre síndrome de Usher e nem de retinose pigmentar... Então para mim foi tudo muito chocante... eu achava que isso só tinha acontecido comigo e que era só eu tinha isso... Mas como as coisas vão acontecendo na nossa vida, aos poucos dentro da própria Escola Paulista de Medicina, eles vão passando informação para nós sobre grupos e foi aí que conheci também grupo Retina Brasil e depois que vim saber da Retina São Paulo. Então aí a gente vai tomando conhecimento de que não estamos sozinhos, tem outras pessoas junto com a gente no barco... rs

 

11) Você fez teste genético?

Não, ainda não. A minha vontade era fazer a genotipagem para classificar o meu tipo de Usher, fazer a classificação do genes que tem alteração e para poder participar em alguma frente de pesquisa.

 

12) Quais foram os cuidados que você passou a praticar depois de saber da síndrome de Usher?

Olha... a minha fase de negação ainda durou mais ou menos uns 4 anos... Foi com a resistência que eu tive que parar de dirigir por exemplo. Nesta época eu dirigia com meu filho pequeno que ficava na cadeirinha atrás no banco, até que meu médico me deu um ultimato e falou que se eu não parasse, eu poderia tanto causar um acidente, morrer, matar meu filho e matar outras pessoas que não tinham nada a ver com isso, né? Então foi aí que resolvi abandonar de vez a direção e passei a não andar mais sozinha durante a noite.  

Nós também fizemos mudanças dentro de casa e também na casa dos meus pais. O que fizemos foi não deixar as coisas de fora do lugar como banquetas e cadeiras. Meu filho também foi aprendendo com isso e procurou deixar tudo organizado para que não ocorra de eu tropeçar e acabar machucando... Apesar de que ultimamente, eu é que tenho me descuidado mais e me machucando... rs

A minha retinose se manteve estável por mais ou menos uns 12 anos e aí mesmo após o diagnóstico eu ainda consegui trabalhar na minha área com desenho gráfico autônoma. Depois meu marido ainda abriu uma escola infantil para mim e eu consegui tocar até 2007, foi quando a evolução começou a acelerar, aí eu vendi a escola e procurei alguns cursos de reabilitação, entre eles o curso de orientação e mobilidade. O meu marido começou uma luta muito grande comigo porque eu não queria mesmo aceitar o uso da bengala. Ele começou a procurar algumas instituições e buscar informações como seria o curso e ia repassando isso, mas até eu aceitar fazer o curso levou uns 2 anos para que eu fosse fazer...

Quando fiz o curso de orientação e mobilidade, aprendi técnicas para não bater nas coisas quando eu procuro alguma coisa no chão por exemplo... Eu sempre esbarro nas mesas e móveis.. Mas já me aconteceu de algumas vezes deixar a porta entre aberta, e eu acabo batendo o braço... rs Então tem que reforçar mais esses cuidados e hoje eu não largo a minha bengala de jeito nenhum!

 

13) Qual conselho que você dá para as pessoas que estão começando a usar a bengala?

Eu digo que é um mal necessário... rs porque além de te dar uma certa autonomia na locomoção, ela também serve como identificador porque enquanto nós estamos na fase de negação, de não querer usar bengala, a gente passa por muitas situações de constrangimento porque as pessoas acham que a gente está fingindo, que não enxergamos... Passei por situação de xingamentos, de achar que a gente está se aproveitando de algum benefício. Lembro que na época estava fazendo curso na ADEVA, tinha uma colega que não aceitava usar bengala e aí quando a gente chegava no metrô, as pessoas cediam o lugar para mim porque eu estava usando a bengala, mas para ela não... Achavam que ela estava fingindo e que não era deficiente visual. No meu caso as pessoas diziam para mim que eu não tinha nenhuma alteração no olho, que meu olho é perfeito... Eles perguntavam: “Que tipo de problema você tem? Não é possível que você tem alguma coisa...” Então com a bengala evita esse tipo de situação.

 

14) Onde você mora a bengala verde e a bengala branca e vermelha já são reconhecidas pela identidade delas?

Não... Infelizmente em Guarulhos ainda está engatinhando no quesito pessoa com deficiência, inclusão e acessibilidade. Algumas pessoas me param e perguntam porque a minha bengala é verde e aí eu explico que é para identificar as pessoas com baixa visão, que a maioria está acostumada a ver apenas a bengala branca... Há 2 anos atrás eu convidei o Sony Polito para fazer uma palestra aqui na semana da pessoa com deficiência, onde participaram muitas pessoas da área da saúde que ficaram de fazer um trabalho de divulgação e conscientização da bengala verde por aqui. Já a bengala branca e vermelha também ainda não chegou de fato. Aqui no Brasil é tudo muito lento, tudo muito atrasado e leva muito tempo para ser implantado e ser conscientizado também.

 

15) Rosinha você trabalha nas políticas públicas?

Diretamente não. Eu estive à frente do Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência de Guarulhos em 2018, porém eu percebi que a maioria das pessoas ainda vê o conselho como uma vitrine política e então resolvi sair e me engajar mais na ADEVIG - Associação de Deficientes Visuais de Guarulhos, onde eu sou conselheira fiscal e atuante na área da social. Na associação a gente consegue fazer muito mais coisas do que estando lá no Conselho Municipal e hoje a gente reúne as demandas necessárias aqui na área da deficiência visual e auditiva na questão de mobilidade urbana, acessibilidade e inclusão na área da empregabilidade, da educação, da saúde. Então, quando podemos, vamos reivindicando do poder público... A ADEVIG é a única instituição de reabilitação para deficientes visuais em Guarulhos, fundada há 22 anos e em 2018 eu e meu marido entramos para fazer parte da diretoria. Fizemos algumas reformulações e hoje a ADEVIG conta com a parceria com o Centro Universitário ENIAC (Centro Universitário de Excelência). Com a estrutura do ENIAC, a gente oferece para as pessoas com deficiência visual, curso de informática, Braille, teatro, artesanato e dança. O nosso time de golbol, modalidade esportiva parecido com futebol mas é jogado com as mãos e o barulho das bolas orienta os jogadores que são pessoas com deficiência visual, treinam no centro paralímpico e também aqui no CÉU em Guarulhos. O time de golbol da ADEVIG participa de vários campeonatos regionais e estaduais com grandes conquistas.

 

16) Vocês já receberam algumas pessoas surdocegas na ADEVIG?

De surdocega a princípio na ADEVIG, eu sou a única... Conheço algumas pessoas como a Márcia Raquel e outros alunos que passaram pela triagem da prefeitura, mas que ainda não fazem parte da ADEVIG aqui em Guarulhos. São poucas as pessoas com síndrome de Usher que a gente tem conhecimento.

 

17) Rosinha você acha que você se tornou uma pessoa melhor depois que descobriu a Usher?

Olha... Eu sei que ainda tenho muito o que aprender, mas acho que subi mais um degrau na minha escada da evolução... Eu acredito que quando você aceita o que você tem, você começa um trabalho de resiliência e com ela você se torna mais humilde, mas generoso e mais solidário. Você começa a praticar mais a empatia, a enxergar o outro, a sentir a dor dele e vai percebendo que o seu problema na verdade é uma adversidade; quando as pessoas são muito autônomas, acabam não enxergando ao seu redor e só vêem elas mesmas. Com certeza meu marido, o "Santo" Paulo como a nossa amiga Márcia Raquel o chama rs...  Ele teve e tem um papel fundamental nesse meu processo, me incentivando e encorajando a enfrentar meus medos! É uma batalha diária, mas acredito que as coisas acontecem para nos dar um chacoalhão e nos fazer enxergar a vida de outra forma, E com isso ainda podermos fazer a diferença na vida de outras pessoas!

 

18) Rosinha qual conselho que você dá para uma pessoa que acabou de saber que tem a síndrome de Usher?

Eu diria que não é o fim da vida e sim um novo recomeço, uma nova ressignificação do seu Eu! A princípio, o suporte de uma terapia psicológica para a pessoa afetada e sua família é muito importante, para que todos saibam lidar com sentimentos que surgem com essa nova condição... É claro que a pessoa vai passar pelos períodos da negação, da revolta, mas com o tempo vem a aceitação e, é neste momento que ela deve procurar cursos de reabilitação, fazer treinamentos, participar de grupos de apoio para troca de experiências e obter informações sobre adaptações no ambiente doméstico, profissional e tecnologias assistivas para celular e aparelhos eletrônicos. Predispor a desenvolver novas habilidades, posturas e aprender a solicitar ajuda e apoio das pessoas... Os amigos e principalmente os familiares fazem parte integrante e imprescindível desse processo, se dispondo a acompanhá-la e incluí-la em encontros de família e amigos nas atividades esportivas e culturais, viagem, passeios e até mesmo nas atividades mais simples como em uma consulta médica ou para fazer compras no mercado ou em uma loja. Embora muitos pensem que "O problema não é meu", "A dor não é minha" ou "Não é comigo" fazemos todos parte de uma mesma corrente, de uma mesma jornada, e somos todos responsáveis uns pelos outros!

Espero que de alguma forma eu tenha lançado uma semente de inspiração e acrescentando algo na vida das pessoas que hoje estão passando pela nova condição da síndrome de Usher, Através da minha vivência de me superar a cada novo dia!

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